top of page

Erro médico por liminar: quem paga?

  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

Artigo de Elano Figueiredo traz reflexões sobre como a liminar cria uma nova relação jurídica, que precisa ser bem observada pelos Juízes.


Dado o crescimento da judicialização em saúde, precisamos estudar suas consequências, provocar sejam reguladas situações que não estejam previstas no contrato, porque oriundas da ordem do juiz.


Pensando nisso, lembrei de um caso interessante em que atuei. Vou resguardar nomes e número do processo, por questões éticas. Vale à pena analisar para entendermos o vácuo que ainda existe nessas relações de saúde por liminar.


Há alguns anos, um cidadão sofreu acidente de moto, estava sem capacete e teve trauma importante na mandíbula. Pediu ao plano um enxerto ósseo e material de titânio para reconstituição do maxilar. A operadora autorizou parcialmente, mas ofereceu um outro produto, alegando que o prescrito era importado e existia similar nacional que cumpria os protocolos. O paciente não aceitou.


A ação foi ajuizada e o juiz deferiu a liminar determinando a realização da cirurgia, com os exatos itens e marcas indicadas pelo cirurgião do consumidor. O valor foi bloqueado, numa monta de quase meio milhão de reais, a cirurgia realizada e uma perícia agendada.


Até aqui, qualquer um já percebe o atipismo da situação. Como a perícia será realizada após a cirurgia? De que vai adiantar o técnico concluir que a operadora estava certa, se o direito já foi entregue? O paciente, que pediu justiça gratuita (quando não tem condições de arcar com os custos do processo), teria recursos para ressarcir o valor do procedimento?


Bem, nos casos envolvendo saúde essa inversão de ordens é autorizada, para preservação da vida dos autores. A jurisprudência brasileira criou isso, mas nunca construiu soluções - formas de responsabilizar quem pediu e depois perdeu a ação. Os juristas apenas passaram a se valer de uma premissa aplicada muito equivocadamente aqui: faz parte do risco da atividade empresarial da operadora. Vida que segue.


Explicado isso, voltemos ao paciente buco-maxilo. Ele se operou e, antes de realizarmos a perícia judicial, ajuizou uma 2a ação. Nesta, queria uma nova cirurgia e danos morais. Disse que o procedimento já realizado, com o material que pediu, foi errado e ocasionou enormes prejuízos a sua saúde, inclusive mental. Sua boca “ficou torta” e o material de titânio não serviu ao propósito que esperava.


O novo processo foi movido contra o cirurgião e o plano de saúde. Foi um dos casos mais emblemáticos que vi. O plano se negou ao ato, o juiz o forçou, sequestrou dinheiro das suas contas para pagar a cirurgia, e agora a operadora estava sendo responsabilizada pelo resultado.


A justificativa para a 2a ação foi a responsabilidade solidária dos profissionais que estão na rede oferecida pelo plano. O entendimento é de que a empresa deve assegurar a qualidade do atendimento que seus prepostos executam.


O mesmo juiz deferiu liminar de novo, bloqueou as contas da operadora novamente e mandou realizar a 2ª cirurgia.


Ao meu ver, o 2º processo provava que a operadora estava correta na sua postura quando foi citada para o 1º processo. A negativa estava certa. Naturalmente, o juiz julgaria improcedente o 1º processo e, em consequência, excluiria o plano da discussão sobre erro médico, responsabilizando apenas o cirurgião, tanto pela prescrição errada como pela cirurgia imprestável, certo? Errado!


Infelizmente, a realidade é de que, após o deferimento da liminar, a maioria dos magistrados tende a encontrar argumentos para confirmá-la. Daí a estatística dizer que os planos perdem entre 8 a 9, de 10 processo.


Assim, a operadora foi condenada também a pagar dano moral. Os tribunais receberam o recurso e, tanto o regional como o Superior, registraram apenas que não iam interferir na análise dos fatos que o juiz fez.


Pois bem. O caso ilustra experiências com as quais sonho, um dia, gerar reflexões úteis nos atores do direito. Vamos aos aprendizados:


Um, quando se tratar de cirurgia buco-maxilo, ortopédica, neurocirurgias, medicamentos de auto custo, fios, parafusos e hastes especiais de titânio, lentes oculares importadas e tudo mais que o médico prescritor pede diferente do que os demais da mesma especialidade praticam, a ação deve ser recebida com cautela pelo juiz. O risco de fraude é significativo.


Dois, a liminar (tutela antecipada ou antecedente) exige o requisito da urgência para ser deferida. Então, tudo que puder esperar um pronunciamento técnico oficial, como plástica reparadora pós-bariátrica, cirurgias oftalmológicas, ortopédicas, em que o paciente não esteja em IMINENTE risco de vida, não justifica a pressa. O juiz deve estar atento às manobras de "urgenciamento" criadas por médicos e advogados.


Três, a partir da criação de uma relação jurídica que não está em contrato, as responsabilidades precisam ser bem definidas. Se a premissa adotada no Judiciário Brasileiro é de que vale a prescrição do médico assistente, a operadora não pode ser responsabilizada em situações na qual o beneficiário e o seu médico assumem os riscos de seguir uma linha com a qual a empresa discorda.


Quatro, litigantes e advogados precisam ser responsabilizados pelo que pedem. Não é mais crível deixar que se peça todo tipo de absurdo e, ao final, mesmo que o requerente perca a ação, não pagar nada. Se não tem com o que pagar, alguém (ainda que seja o Governo) deve garantir o ato. É absolutamente irrazoável acolher pedidos aventureiros, para procedimentos médicos às vezes mirabolantes, sem nenhuma garantia de que a parte assegure que arcará com o mesmo, se sua tese for declarada improcedente. Isso tem que ser corrigido, no processo civil brasileiro, porque é um componente forte que estimula a judicialização indevida.


Cinco, não tem solução processual para garantir a hipótese da ação ser improcedente, e a vida do paciente está em risco? Tem um artigo na Constituição Federal que resolve isso e vou lembrar aqui: a saúde é direito de todos e dever do Estado.


Com efeito, começo a entender que os prejuízos decorrentes de liminares que não seguem as cautelas devidas, recomendadas pelo Código de Processo Civil, podem configurar erro judiciário - hipótese que autoriza indenização pelos prejuízos causados ao particular. É uma tese que está em construção - embora a maioria dos jurisdicionados morra de medo de processar o Judiciário.


Mas fato é que, hoje, ao ajudar pessoas que realmente precisam de justiça, a missão tem sido dificultada pela poluição do segmento, com ações oportunistas. O fórum está entupido de pedidos e, pior de tudo, os juízes não conseguem promover a priorização do que seja realmente urgência clínica.


Vai melhorar? Sigo com minhas esperanças.

Commentaires


bottom of page