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Assistente Terapêutico - AT

  • há 6 dias
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Controvérsia entre o apoio educacional e a responsabilidade dos planos de saúde


O Assistente Terapêutico (AT) tornou-se figura central nas discussões sobre inclusão educacional de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas existe confusão significativa sobre sua natureza jurídica e sobre quem deve custear seus serviços. Este artigo analisa o papel do AT, esclarece a distinção entre apoio escolar e tratamento clínico, e examina a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que redefine os limites da cobertura obrigatória pelos planos de saúde suplementar no Brasil.


Compreendendo o Assistente Terapêutico: Definição e Escopo de Atuação


O Assistente Terapêutico é um profissional que atua no contexto escolar com o objetivo de facilitar a inclusão da criança com deficiência nos ambientes educacionais. Diferentemente do que muitos acreditam, a principal função do AT não é realizar terapias clínicas, mas sim auxiliar o aluno autista em suas atividades diárias dentro da escola, mediando sua interação com professores e colegas, facilitando sua comunicação, ajudando na locomoção e participação em atividades escolares. Ele funciona como um mediador entre o aluno e o contexto escolar, promovendo autonomia gradual e inclusão efetiva.


É fundamental compreender que o AT opera exclusivamente no ambiente escolar, diferenciando-se categoricamente de outros profissionais da saúde. Enquanto o Acompanhante Especializado é fornecido pela escola e não realiza terapias, o Atendente Terapêutico é um profissional que aplica metodologias terapêuticas específicas. Essa distinção não é meramente semântica; ela determina tanto o responsável pelo custeio quanto a natureza da intervenção. A escola, como instituição educacional, é responsável pela provisão do apoio educacional necessário para garantir a inclusão do aluno, enquanto tratamentos de saúde são financiados por planos de saúde ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conforme prescrição médica..


O Marco Regulatório Brasileiro e as Responsabilidades Institucionais


A Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) e sua complementação pelo Decreto nº 8.368/2014 estabelecem claramente que a instituição de ensino deve disponibilizar acompanhante especializado quando comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais no contexto escolar.


Posteriormente, em outubro de 2025, o Governo do Brasil instituiu a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva, que regulamenta o papel do profissional de apoio escolar, responsabilizando as instituições educacionais pela sua provisão. A política estabelece que esses profissionais devem ter formação mínima de nível médio e formação específica de 80 horas.


O ponto crítico reside na diferenciação entre função educacional e função clínica. O custeio do Assistente Terapêutico pela escola é obrigação educacional, não sanitária. A legislação é explícita: a escola não pode cobrar valores adicionais para disponibilizar o profissional de apoio educacional, pois trata-se de adaptação razoável e recurso de acessibilidade. Porém, essa obrigação educacional não se estende aos planos de saúde, que possuem escopo completamente diverso.


A Questão Crítica: Custeio pelos Planos de Saúde e o Entendimento Jurisprudencial


Durante anos, operadoras de saúde foram compelidas judicialmente a cobrir o Assistente Terapêutico sob argumentos de que se tratava de suporte necessário ao desenvolvimento da criança autista. Argumentava-se que a terapia multidisciplinar prescrita por médico deveria incluir o AT como complemento indispensável.


Contudo, jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça estabelece distinção crucial: o custeio de tratamento multidisciplinar para beneficiário com TEA não se estende ao acompanhamento em ambiente escolar ou domiciliar, quando realizado por profissional do ensino.


A Tese 8 do STJ deixa claro que a cobertura obrigatória refere-se a terapias de saúde, não a acompanhamento pedagógico ou suporte escolar. O Acompanhante Terapêutico é coberto apenas quando vinculado ao tratamento clínico em ambiente clínico ou de saúde, nunca quando sua função é exclusivamente educacional. Essa diferenciação é fundamental e frequentemente ignorada em decisões judiciais que impõem o custeio pelos planos.


O Rol da ANS e a Decisão do STF em 2025


A Lei 14.454/2022 tornava o rol da ANS exemplificativo, criando possibilidade teórica de cobertura de procedimentos não listados. Contudo, em setembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 7.265, estabelecendo critérios rigorosos e cumulativos para que tratamentos não previstos no rol fossem cobertos por planos de saúde.


Para que uma operadora seja obrigada a cobrir procedimento "fora do rol", cinco condições precisam ser comprovadas cumulativamente: prescrição qualificada por médico habilitado, inexistência de negativa prévia pela ANS, ausência de alternativa no rol, evidência científica robusta, e registro sanitário.


Aplicando essa decisão ao Assistente Terapêutico, torna-se evidente que não há base para sua cobertura. Primeiro, porque o AT não é tratamento clínico ou sanitário, mas sim suporte educacional. Segundo, porque existe alternativa dentro do escopo público: a obrigação da escola de disponibilizar profissional de apoio. Terceiro, porque não há evidência científica específica de que o AT seja tratamento terapêutico no sentido clínico, mas sim ferramenta pedagógica.


A decisão do STF reafirma ainda que o ônus da prova para estes cinco critérios não é do paciente ou de seus representantes, mas do médico que prescreve. Nenhum médico poderia legitimamente prescrever um Assistente Terapêutico como tratamento de saúde, pois se trata de profissional do ensino executando função educacional. Assim como o plano de saúde não cobre aulas de RPG, Pilates, Natação ou outros serviços de suporte geral à saúde (ainda que potencialmente benéficos), não deve cobrir o AT quando sua função de origem é exclusivamente educacional.


Liminares Desconformes com a Jurisprudência Atual


Observa-se que ainda circulam decisões monocráticas de juízes de primeiro grau concedendo liminares que impõem o custeio do Assistente Terapêutico pelos planos de saúde. Essas decisões, frequentemente, desconhecem ou ignoram o entendimento consolidado do STJ e a recente jurisprudência do STF. Elas baseiam-se em argumentos emocionais e na aparente "beneficialidade" do serviço, sem considerar o marco regulatório que claramente distingue entre responsabilidade educacional e sanitária.


A decisão do STF de setembro de 2025 fornece ferramenta importante para correção dessa jurisprudência. Com ela, é razoável esperar que os juízes de 1a instância comecem a entender mais claramente que: o AT não é procedimento clínico; a responsabilidade é educacional, não sanitária; existe alternativa obrigatória através da escola; e não há comprovação científica de que AT seja tratamento de saúde suplementar, diferentemente de terapias comportamentais (ABA), fonoaudiologia ou terapia ocupacional, que efetivamente possuem cobertura obrigatória.


Conclusão: Necessidade de Conformação com o Entendimento Atual


O Assistente Terapêutico, embora potencialmente benéfico ao desenvolvimento de crianças autistas, não constitui responsabilidade de planos de saúde suplementar. Sua provisão é obrigação educacional institucional, fundamentada em legislação específica que responsabiliza escolas e poder público. As liminares que atualmente concedem sua cobertura pelos planos devem ser melhor conformadas, à luz da jurisprudência STJ consolidada e da recente decisão do STF na ADI 7.265.


A tendência esperada é que operadoras de saúde recorram dessas decisões monocráticas, e que o Poder Judiciário adeque sua análise aos critérios estabelecidos pelo STF, reconhecendo que a missão do sistema de saúde suplementar é financiar os tratamentos efetivamente clínicos, em ambiente clínico. A sustentabilidade do sistema privado de saúde depende dessa clareza sobre limites e responsabilidades institucionais, permitindo que recursos sejam direcionados a tratamentos efetivamente clínicos, deixando ao sistema educacional suas responsabilidades legítimas.

 
 
 

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