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Tribunal despreza STJ

  • há 4 dias
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A pedido do Ministério Público, Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul concedeu tratamento de equoterapia, poucos dias depois do STJ ter pacificado o contrário


Em mais um capítulo da interminável batalha judicial envolvendo o fornecimento de terapias para pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) determinou que uma operadora de plano de saúde custeie sessões de equoterapia para um beneficiário diagnosticado com autismo na capital sul-mato-grossense.


A decisão, proferida pela 3ª Câmara Cível do TJMS, manteve a sentença de primeira instância e negou o recurso apresentado pela operadora, que contestava a obrigatoriedade de cobertura para este tipo específico de tratamento. O caso teve origem em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) em defesa dos direitos do paciente.


Uma decisão na contramão da jurisprudência


O que chama atenção neste caso não é apenas a decisão em si, mas o fato de que ela caminha na direção oposta ao entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a matéria. Em julgamento recente, a Corte Superior estabeleceu claramente que a equoterapia não está incluída no rol de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.


O STJ, ao analisar o caso, fundamentou seu posicionamento no entendimento de que, embora a equoterapia possa trazer benefícios terapêuticos para pacientes com determinadas condições, incluindo o TEA, ela ainda não foi tecnicamente caracterizada como segura e eficaz ao ponto de justificar sua inclusão no rol da ANS. Ainda mais, de acordo com o STF, exceções a essa regra dependeriam de estudos científicos emitidos por organismos nacionais ou internacionais - o que também ainda não foi apresentado, para incorporação da equoterapia.


Argumentos do tribunal estadual


Na decisão que manteve a obrigatoriedade da cobertura, o TJMS baseou-se principalmente no laudo médico que indicava a equoterapia como parte do tratamento multidisciplinar necessário para o paciente. Segundo o acórdão, a negativa da operadora representaria uma restrição indevida aos direitos do beneficiário, especialmente considerando sua condição de pessoa com deficiência.


Os desembargadores também invocaram a Lei Federal nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), argumentando que ambas garantem o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo terapias e tratamentos que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida.


O atropelo da hierarquia judicial


A decisão do TJMS, respaldada pela atuação do MPMS, levanta questionamentos importantes sobre a hierarquia do sistema judicial brasileiro. Ao desconsiderar o entendimento já consolidado pelo STJ, tanto o tribunal estadual quanto o Ministério Público local parecem desprezar a função uniformizadora da jurisprudência que cabe à Corte Superior.


É importante lembrar que o STJ foi criado pela Constituição Federal de 1988 justamente para harmonizar a interpretação da legislação federal em todo o território nacional, evitando que casos semelhantes recebam tratamentos díspares dependendo da jurisdição em que tramitam. Quando tribunais estaduais ignoram deliberadamente os precedentes firmados pela Corte Superior, contribuem para a insegurança jurídica e para o aumento da litigiosidade.


Impactos para o setor de saúde suplementar


Para além das questões jurídicas, decisões como esta têm impactos significativos para o setor de saúde suplementar como um todo. A imposição judicial de coberturas não previstas no rol da ANS ou já expressamente afastadas pela jurisprudência superior cria um ambiente de imprevisibilidade para as operadoras, que não conseguem estimar adequadamente seus custos assistenciais e, consequentemente, calcular corretamente o valor dos prêmios a serem cobrados.


Este cenário de incerteza acaba refletindo nos preços praticados no mercado, afetando todos os beneficiários, que arcam coletivamente com os custos adicionais gerados por decisões judiciais que extrapolam as coberturas contratadas. O resultado é um ciclo vicioso de judicialização, aumento de custos e elevação de preços que compromete a sustentabilidade do sistema como um todo.


Conclusão: um precedente preocupante


A decisão do TJMS, ao desprezar o entendimento já pacificado pelo STJ sobre a não obrigatoriedade de cobertura para equoterapia, estabelece um precedente preocupante no âmbito da judicialização da saúde. Mais do que um caso isolado, representa uma tendência de tribunais estaduais e ministérios públicos locais de sobreporem suas interpretações àquelas já consolidadas pelas instâncias superiores.


Este movimento, ainda que motivado por intenções nobres de proteção a pacientes vulneráveis, contribui para a fragmentação do sistema judicial e para a imprevisibilidade do marco regulatório da saúde suplementar. O resultado, paradoxalmente, pode ser o encarecimento do acesso aos planos de saúde e a redução da oferta de serviços, prejudicando justamente aqueles que mais necessitam de assistência.


O equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a sustentabilidade do sistema coletivo de saúde suplementar é um desafio complexo que exige mais do que decisões pontuais e emotivas. Requer um debate amplo, baseado em evidências científicas, viabilidade econômica e respeito à hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro.

 
 
 

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