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Limite de tratamento?

  • há 2 dias
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Câmara dos Deputados discute limites dos planos de saúde para tratamentos multidisciplinares


A audiência pública na Câmara dos Deputados sobre os limites dos planos de saúde para tratamentos multidisciplinares de pessoas com atraso de desenvolvimento ocorre em um momento estratégico do debate jurídico nacional. Esta discussão parlamentar parece, de fato, dialogar diretamente com o julgamento pendente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Tema Repetitivo nº 1.295, que abordará a possibilidade de limitação do número de sessões de tratamentos multidisciplinares pelos planos de saúde.


O timing desta audiência sugere uma tentativa de influenciar o posicionamento do STJ, criando um espaço de debate público que pode gerar subsídios para a decisão judicial. Esta movimentação legislativa ocorre em um cenário complexo, onde já existem marcos legais importantes como a Lei 14.454/2022, que veda expressamente a limitação de sessões ou procedimentos para tratamentos multidisciplinares para pessoas com deficiência, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outros transtornos globais do desenvolvimento.


O contexto atual apresenta uma aparente contradição: enquanto a legislação e parte significativa da jurisprudência apontam para a ilegalidade da imposição de limites, o setor de saúde suplementar argumenta sobre a inviabilidade econômica de tratamentos ilimitados e a necessidade de estabelecer critérios técnicos para a cobertura. Esta tensão reflete o desafio de equilibrar o direito à saúde integral com a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.


A questão central não deveria ser se limites podem existir, mas como garantir que as necessidades terapêuticas individualizadas sejam atendidas adequadamente. A abordagem mais coerente seria a adoção de protocolos clínicos baseados em evidências científicas, com flexibilidade para adaptação às necessidades individuais, avaliadas por equipes multidisciplinares. Estes protocolos deveriam considerar não apenas a quantidade de sessões, mas principalmente a qualidade e efetividade dos tratamentos.


O modelo ideal contemplaria avaliações periódicas da evolução terapêutica, com ajustes no plano de tratamento conforme necessário. Isto permitiria um acompanhamento personalizado, evitando tanto a insuficiência quanto o excesso terapêutico. A definição de metas terapêuticas claras, com indicadores de progresso mensuráveis, poderia oferecer parâmetros objetivos para a continuidade ou modificação dos tratamentos.


É fundamental reconhecer que transtornos do desenvolvimento, como o TEA, apresentam manifestações heterogêneas e necessidades terapêuticas diversificadas. Alguns indivíduos podem requerer intervenções intensivas por períodos prolongados, enquanto outros podem se beneficiar de abordagens menos intensivas. Esta diversidade demanda flexibilidade nos protocolos de atendimento.


O debate sobre limites terapêuticos não pode ignorar a dimensão ética do cuidado em saúde. A imposição arbitrária de limites numéricos, desvinculada das necessidades clínicas individuais, viola princípios básicos de dignidade humana e acesso à saúde. Por outro lado, a ausência total de critérios pode levar a distorções no sistema, como a indicação de tratamentos sem evidência de benefício ou a perpetuação de intervenções sem reavaliação adequada.


A experiência internacional oferece modelos interessantes para este debate. Países com sistemas de saúde avançados tendem a adotar abordagens baseadas em necessidades clínicas, com protocolos flexíveis e mecanismos de revisão periódica. Estes modelos priorizam a qualidade e efetividade dos tratamentos, em vez de simplesmente limitar ou expandir quantitativamente os serviços.


O papel do Estado neste contexto é fundamental, tanto na regulação do setor quanto na garantia de direitos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) poderia desenvolver diretrizes mais claras para os tratamentos multidisciplinares, baseadas em evidências científicas e com a participação de especialistas, associações de pacientes e operadoras de saúde. Estas diretrizes deveriam enfatizar a avaliação individualizada e a flexibilidade terapêutica.


É importante considerar também o impacto econômico das decisões nesta área. A sustentabilidade do sistema de saúde suplementar é um fator relevante, mas não pode se sobrepor aos direitos fundamentais dos beneficiários. Soluções inovadoras, como a criação de redes especializadas de atendimento, compartilhamento de riscos entre operadoras ou mecanismos de resseguro específicos para casos complexos, poderiam contribuir para a viabilidade econômica sem comprometer a qualidade do cuidado.


A decisão do STJ sobre o Tema 1.295 terá impacto significativo na vida de milhares de famílias que dependem de tratamentos multidisciplinares contínuos. Espera-se que o Tribunal considere não apenas os aspectos jurídicos formais, mas também as implicações práticas de sua decisão para a qualidade de vida e desenvolvimento das pessoas afetadas.


Em síntese, o debate sobre limites de tratamentos multidisciplinares não deveria se reduzir a uma questão binária de "limitar ou não limitar". A abordagem mais adequada seria o desenvolvimento de um sistema de cuidado personalizado, baseado em evidências científicas, com avaliações periódicas e flexibilidade para atender às necessidades individuais. Este modelo garantiria o direito à saúde sem comprometer a sustentabilidade do sistema, promovendo um equilíbrio entre as necessidades clínicas e a viabilidade econômica.

 
 
 

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