Tem vaga, Doutor?
- elano53
- há 11 minutos
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Artigo de opinião, por Elano Figueiredo.
Quem nunca ligou para agendar consulta, exame ou sessão de terapia e se deparou com a informação de que, pelo plano, teria que esperar semanas, enquanto, sendo particular, a disponibilidade seria imediata?
Também existe situação em que o profissional não recebe mais novos pacientes de planos de saúde. Mantém a carteira de pacientes antigos ativa, mas os novos só mediante pagamento particular. Estratégia inteligente.
Aqui, vou abrir o jogo e contar a matriz do problema, mostrando porque isso acontece.
Primeiramente, vamos falar de valores. Uma consulta médica está precificada na tabela de honorários do Conselho Federal de Medicina (CBHPM) por algo em torno de R$ 70,00 - o contrato com o plano de saúde não vai ser muito diferente disso. Quando cobrada de forma particular, da conta do paciente diretamente para o bolso do médico, arriscaria dizer que o preço varia entre R$ 150,00 e R$ 1.200,00, dependendo da especialidade, experiência e fama do profissional.
Em clínicas populares, na qual o paciente não escolhe o médico, ou seja, segue o estilo dos planos de saúde de disponibilizar o que estiver na escala do momento, as consultas partem de R$ 100,00. Mas imagino que esse desenho não sirva ao propósito do que vamos discutir nesse texto: situação em que o consumidor deseja agenda de UM determinado médico.
Por sinal, vale a pena mencionar que, de acordo com a regulação em saúde, mais especificamente a Resolução 259 da ANS, a operadora deve garantir o acesso do beneficiário ao serviço na especialidade em que ele precisa, mas essa obrigação é impessoal; quer dizer, deve ser oferecido qualquer profissional que seja especialista para a necessidade do paciente.
Assim, podemos voltar à agenda dos médicos. Conforme se vê, há uma disparidade entre os preços dos serviços particulares e aqueles pagos pelos planos de saúde. Levantei essa questão financeira para ficar bem claro: por obvio o médico vai priorizar o atendimento que lhe paga mais. E não é apenas "um pouco" mais, pois chega até a 10 vezes mais.
Então, vista a questão financeira, chegamos ao ponto nodal. Priorizar os pacientes que podem pagar mais caro, particular, seria ético?
Uma resposta direta e objetiva diria que não, mas há quem destoe.
Os Conselhos de Medicina já analisaram o assunto em algumas oportunidades e não foram nada conclusivos. Aliás, minha impressão é de que o órgão enxerga a mercantilidade da conduta, mas ameniza a questão defendendo a independência do médico. Deram um jeitinho brasileiro de permitir.
Os Conselhos do Distrito Federal (Parecer 43/2014), da Paraíba (Parecer 24/2007) e de Minas Gerais (Parecer 210/2017) entendem possível bloquear dias específicos da agenda de uma clínica para atendimento particular.
Para o Presidente do Conselho Federal, Hiran Gallo, “não há impedimento legal para que um usuário de plano de saúde opte por um atendimento particular com o médico de sua escolha. Contudo, essa decisão deve ser voluntária, consciente e esclarecida, de preferência formalizada por escrito, sem qualquer tipo de coação”.
No entanto, Sr. Presidente, se o enfermo está precisando de atendimento rápido e o único meio é pagar particular, em que mundo isso seria voluntário? Que utopia!
Devo, nesse momento, fazer parênteses para dizer que não condeno os médicos pela dupla agenda. Eles acabam sendo vítimas de uma situação de mercado, imposta pela dependência dos planos de saúde e pelo SUS também (que paga pior ainda). Mas torço para que as suas atendentes tenham sensibilidade no gerenciamento da situação, porque já fui muito destratado por telefonistas absolutamente indiferentes à condição de saúde dos meus filhos.
Inclusive, esse inconveniente levou alguns estados, como Pará, Rio de Janeiro, Maranhão e Distrito Federal, a aprovarem leis proibindo a priorização de atendimentos particulares por profissionais e serviços credenciados a planos de saúde. Propostas semelhantes tramitam nas Assembleias Legislativas de pelo menos outros cinco: Acre, Bahia, Mato Grosso, Paraná e São Paulo.
Mas acho que aí já é demais. Há uma invasão inadmissível da independência funcional do profissional da saúde.
Está claro para mim que a natureza e urgência do atendimento devem guiar a decisão sobre a licitude da conduta na agenda.
Nas situações puramente eletivas, em que não se impõe pressa alguma no atendimento, seria razoável permitir a dupla agenda. Mas em qualquer outra ocasião, mesmo casos considerados eletivos, em que a demora impacte no sofrimento ou no tratamento (dermatologia seria um bom exemplo – existe muita coisa estética, mas também temos as micoses insuportáveis que nem sempre sem enquadram em urgência clínica) a oferta de pagamento particular como condição de atendimento mais rápido é inapropriada e o Conselho deveria ser firme nesse sentido.
Acontece que eu tenho muitas dúvidas se os Conselhos, corporativos como são, estão dispostos a isso. Afinal, os Conselheiros também possuem seus consultórios.
Portanto, esse é um problema que os pacientes continuarão a enfrentar e não tenho nenhuma esperança de que se resolva no curto prazo.
Ah, e não adianta reclamar no seu plano de saúde, ok? Repito que a operadora é legalmente obrigada a oferecer rapidamente UM especialista e não O dr. Fulano.
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