
Nos planos de saúde, a primeira tentativa de amenizar as despesas crescentes do TEA foi cancelando unilateralmente os contratos com beneficiários de “alto custo”. Hoje, os pacientes que precisam de terapia para atraso no desenvolvimento estão na parte de cima dessa lista.
A segunda tentativa, ao que tudo indica, é descredenciar as clínicas mais procuradas pelos pacientes do espectro. No Recife, por exemplo, explodiu a notícia de interrupção do atendimento pela Amil.
Recife foi um polo pioneiro no desenvolvimento dos métodos terapêuticos para atraso no desenvolvimento, desde a enxurrada de crianças com microcefalia – clinicamente relacionadas a chikungunya contraída pela mãe na gravidez. Consequentemente, a região apresenta um dos maiores custos do país com o tratamento do TEA.
Lá, planos de saúde como Unimed e Hapvida perceberam logo que precisariam oferecer aos seus consumidores ABA, TEACCH, PECS, fisio, fono, musicoterapia, equinoterapia etc. Não adiantava lutar contra as indicações. Escolheram fazer isso através de serviços próprios; clínicas especializadas nesse acolhimento.
Todavia, houve quem largasse atrás. Agora está tentando recuperar o tempo perdido, redimensionando sua rede de terapia.
Mas, como substituir um profissional que atende a criança há anos?
Difícil né? A regra em geral é: o plano de saúde tem que oferecer a especialidade e não o determinado especialista. Se a operadora mantém em sua rede a mesma quantidade e qualidade dos serviços originalmente oferecidos ao consumidor, ela está autorizada sim a substituir nomes da lista. Mas e o paciente?
Essa questão tem levado magistrados a se afastar da regra da impessoalidade de rede que rege os planos de saúde e determinar a continuidade do atendimento com determinados terapeutas.
O dilema é um desafio que deve ser enfrentado pelo legislador e a Agência Reguladora. Na minha visão, a norma deveria contemplar exceções nesse tipo de ocorrência. O liame entre profissional e paciente às vezes é determinante no tratamento. Claro que não se pode obrigar plano e prestador a ficarem credenciados, quando alguém não quer; mas todos os envolvidos precisam ter mais bom senso; pelo menos, numa transição digna da jornada do paciente, que minimize os prejuízos clínicos.
Esse meu texto aqui não pretende apagar os tantos anos em que combati a fraude e os excessos de alguns vigaristas da área. Quero, sim, propor um meio termo. Os especialistas precisam analisar qual seria o prazo razoável para a criança absorver a mudança do seu terapeuta. Assim, o plano de saúde poderia substituir prestadores, mas seguiria a transição tecnicamente recomendada.
Os pacientes e as mães, de sua sorte, precisam entender o desafio sistêmico que as terapias se tornaram. Elas representam um dos maiores custos da saúde suplementar hoje, especialmente quando embutido no cálculo os excessos. Jovens gastam mais que idosos, invertendo toda a lógica do cálculo atuarial desse setor.
No mesmo passo em que todos devem reconhecer a importância da evolução desses métodos de terapia, precisamos encontrar uma solução de equilíbrio e não simplesmente querer fugir dos custos.
Então: sim as fraudes são um motivo justíssimo para substituir determinado prestador. E não são apenas as operadoras que economizam, mas todos os beneficiários, quando olhamos para o reajuste que será repassado em seguida. No entanto, esse descredenciamento deveria ser melhor planejado, com uma transição clínica que ainda não consta de nenhuma norma, mas deveria constar.
Elano Figueiredo, ex-Diretor da ANS, especialista em sistema de saúde, fundador do Portal JS.
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