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Viabilizando tratamentos caros

  • há 46 minutos
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ANS e Sanofi firmam primeiro acordo para desconto de preço de medicamento incorporado ao rol dos planos de saúde


Em um acontecimento marcante para o sistema de saúde brasileiro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a farmacêutica Sanofi celebraram, recentemente, o primeiro acordo de redução de preço para um medicamento já incorporado ao rol dos planos de saúde. Este marco representa uma mudança de paradigma na negociação de medicamentos inovadores de alto custo no Brasil, abrindo caminhos para que tratamentos antes considerados financeiramente inviáveis possam alcançar um número significativamente maior de beneficiários.


O Medicamento em Questão: Dupilumabe e o Tratamento da DPOC


O medicamento que protagoniza esse acordo histórico é o **Dupilumabe**, conhecido comercialmente como Dupixent, um biológico desenvolvido para o tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) grave. A incorporação do Dupilumabe ao rol representa uma esperança renovada para milhões de brasileiros, uma vez que a DPOC constitui a quinta causa de morte no Brasil e a terceira no mundo, sendo responsável por aproximadamente cem óbitos diários no país.


A aprovação pela ANS ocorreu em reunião de sua Diretoria Colegiada no dia 24 de novembro de 2025, e a cobertura obrigatória pelos planos de saúde passa a vigorar a partir de 2 de março de 2026. Particularmente relevante é o fato de que, após mais de duas décadas sem inovação significativa no tratamento da DPOC grave, este medicamento oferece uma alternativa terapêutica verdadeiramente transformadora para pacientes que enfrentam essa condição debilitante e potencialmente fatal.


Os Termos do Acordo: Uma Negociação Sem Precedentes


O aspecto mais inovador deste acordo reside precisamente no mecanismo de negociação de preços estabelecido entre a ANS e a Sanofi. A farmacêutica se comprometeu a oferecer um desconto substancial no preço do medicamento, não apenas para o tratamento da DPOC grave, mas também para todas as demais indicações terapêuticas em que o Dupilumabe já possui cobertura no rol da saúde suplementar.


De forma inédita, a detentora da tecnologia assinou um termo de compromisso formal com a ANS, assumindo a responsabilidade contínua de garantir estes descontos. Este mecanismo representa uma mudança estrutural na forma como se negociam medicamentos no Brasil, pois transforma a incorporação de uma tecnologia em uma oportunidade de diálogo substantivo entre agências regulatórias e indústria farmacêutica, permitindo que questões de sustentabilidade financeira e acesso equitativo sejam deliberadas conjuntamente desde o início do processo.


O Contexto Mais Amplo: Medicamentos de Alto Custo e os Desafios do Sistema de Saúde


Para compreender plenamente a significância deste acordo, é essencial contextualizar o panorama atual dos medicamentos de alto custo no sistema de saúde brasileiro. **Os medicamentos de alto custo configuram um dos maiores desafios contemporâneos da gestão pública em saúde**, impactando não apenas as finanças governamentais, mas também os orçamentos dos planos privados de saúde. Essa pressão financeira criou um cenário onde a inovação terapêutica frequentemente entra em conflito direto com a sustentabilidade dos sistemas de saúde.


O Sistema Único de Saúde (SUS) já incorporou mais de 150 medicamentos de terapias avançadas, destinados principalmente ao tratamento de doenças raras e oncológicas. Contudo, cada incorporação representa um desafio orçamentário significativo que reverbera por toda a estrutura de financiamento do sistema. Na esfera da saúde suplementar, operadoras têm enfrentado dilemas similares, frequentemente resultando em demandas judiciais quando negam cobertura a medicamentos inovadores, especialmente aqueles sem alternativas terapêuticas equivalentes.


Inovação Regulatória: Por Que Este Acordo Importa


O acordo entre ANS e Sanofi representa um exemplo prático e viável de como conciliar dois imperativos aparentemente contraditórios: garantir acesso a tratamentos inovadores enquanto se mantém a sustentabilidade financeira do sistema. Diferentemente de abordagens anteriores que frequentemente resultavam em impasses—seja pela indisponibilidade do medicamento seja pela impossibilidade financeira de sua cobertura—este novo modelo estabelece uma ponte negociada entre todas as partes interessadas.


A decisão da ANS incorporou amplamente a participação social, incluindo consultas públicas, audiências públicas e reuniões técnicas. Lenise Secchin, diretora de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS, afirmou que a decisão reforça o compromisso com evidências científicas, participação social e cuidado sustentável. Esta abordagem multistakeholder contrasta positivamente com modelos anteriores baseados em negociações fechadas entre agências e indústria, permitindo que vozes de pacientes, profissionais de saúde e sociedade civil informem a decisão final.


Regulação de Preços como Instrumento de Política Pública


A regulação de preços de medicamentos foi originalmente criada para ser um instrumento de política pública em favor do direito à saúde. Ao longo dos anos, porém, essa função enfrentou críticas e desafios quanto à sua efetividade. O acordo ANS-Sanofi resgata essa função original, demonstrando que é possível regular preços de forma a viabilizar o acesso, em vez de simplesmente congelá-los ou proibi-los.


Este modelo de negociação reflete uma compreensão sofisticada dos desafios econômicos contemporâneos. Reconhece que preços elevados não são meramente ganância corporativa, mas frequentemente refletem custos reais de pesquisa, desenvolvimento, produção e distribuição. Simultaneamente, reconhece que pacientes e sistemas de saúde não possuem recursos ilimitados. A solução, portanto, não reside na confrontação entre Estado e indústria, mas na negociação colaborativa de termos que permitam inovação continuada enquanto se expande o acesso.


Perspectivas Futuras e Desafios Remanescentes


Embora este acordo represente um progresso significativo, importantes desafios permanecem. A sustentabilidade orçamentária dos planos de saúde continua sob pressão, especialmente conforme mais medicamentos de alto custo tornam-se disponíveis e incorporados ao rol. O SUS, por sua vez, enfrenta restrições orçamentárias ainda mais severas, limitando sua capacidade de incorporar todas as tecnologias desejáveis, mesmo com descontos.


Adicionalmente, a questão mais ampla de como o Brasil posiciona-se globalmente em termos de inovação farmacêutica permanece relevante. Enquanto alguns alegam que preços reduzidos podem desestimular a pesquisa em tecnologias críticas para doenças prevalentes em populações de baixa renda, outros argumentam que acesso expandido estimula mercados e cria oportunidades de inovação em outros segmentos.


Conclusão: Um Modelo para Viabilizar o Impossível


O acordo entre ANS e Sanofi para a incorporação do Dupilumabe transcende seu significado imediato como um simples desconto de preço. Representa, fundamentalmente, uma demonstração prática de que é viável incorporar e disponibilizar medicamentos inovadores de alto custo quando as partes interessadas abraçam negociações transparentes e baseadas em evidências. Esse modelo oferece um caminho concreto para resolver o dilema que tem paralizado sistemas de saúde globalmente: como expandir acesso a tecnologias transformadoras sem comprometer a viabilidade financeira das instituições responsáveis por sua distribuição.


Para pacientes com DPOC grave e suas famílias, este acordo significa esperança tangível de que um tratamento revolucionário, indisponível por mais de vinte anos, poderá agora ser acessado através dos planos de saúde a partir de março de 2026. Para o sistema de saúde brasileiro como um todo, este acordo sinaliza que medicamentos de terapias avançadas não precisam ser necessariamente inacessíveis ou causadores de falências institucionais.


Quando indústria, reguladores e sociedade trabalham em conjunto, viabiliza-se o impossível—transformando barreiras financeiras em oportunidades de colaboração que expandem o direito à saúde sem sacrificar a sustentabilidade. Este modelo merece ser replicado, refinado e expandido para outros medicamentos igualmente críticos que aguardam incorporação, estabelecendo, assim, um novo padrão para como o Brasil negocia acesso a tratamentos inovadores.

 
 
 

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