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Unimed no fundo do poço

  • 31 de ago.
  • 4 min de leitura
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Dívidas da Unimed FERJ se agravam e pacientes ficam sem atendimento


Foi chocante assistir o vídeo de pacientes oncológicos, no setor de autorização da Unimed, reivindicando medicamentos. Uma senhora com câncer de pâncreas reclama: "eu estou fazendo tratamento apenas paliativo. Posso morrer hoje ou amanhã. Botei na minha cabeça que ia viver a vida e não iria reclamar. Mas o que estamos passando aqui é um absurdo".


A reportagem da CBN ilustra bem a situação. Pacientes com câncer que tiveram seus tratamentos prejudicados após a migração da carteira da antiga Unimed Rio para a Unimed Federação (FERJ) significa, em essência, uma falha que ultrapassa a burocracia: vidas em risco por causa de uma manobra administrativa pessimamente planejada.


Pacientes relatam atrasos e interrupções em ciclos de quimioterapia, dificuldade para obter autorizações urgentes, rompimento de vínculos com clínicas e incerteza sobre continuidade de medicamentos e procedimentos. Em oncologia, cada sessão, cada dose e cada janela terapêutica contam. A suspensão ou postergação de ciclos pode reduzir a probabilidade de resposta, acelerar progressão tumoral e, em muitos casos, transformar uma chance real de controle ou cura em um prognóstico mais grave.


Além do dano físico, há dano psicológico imediato e profundo: ansiedade, perda de confiança no tratamento e sentimento de abandono por parte de um sistema que deveria zelar pela vida. É isso que está em jogo, sem eufemismos.


A gravidade do quadro não decorre de uma falha pontual — é consequência direta de decisões de gestão. A transferência da carteira exigia medidas mínimas: contratos provisórios com prestadores essenciais, manutenção imediata de autorizações já concedidas, comunicação clara e canais de transição operacionais entre médicos, clínicas e a nova operadora. Nada disso foi feito em tempo útil.


O descredenciamento em massa de clínicas e a revisão abrupta de autorizações mostram que a operação priorizou ajustes operacionais e financeiros em detrimento da continuidade assistencial. O resultado foi o corte de acesso a tratamentos para pacientes já fragilizados. Quando gestores tratam carteiras de saúde como itens de contabilidade, pacientes pagam o preço com suas vidas.


A responsabilidade pela situação repousa em duas esferas que se cruzam: gestores das Unimeds envolvidos e a ANS enquanto reguladora.


Os primeiros falharam no dever mínimo de diligência e de proteção ao beneficiário. Quem transfere e quem recebe carteiras deve prever e executar transição que preserve tratamentos em curso, especialmente os oncológicos. Responsabilidade corporativa não é gesto retórico; tem conteúdo prático: manter atendimento, garantir medicamentos e autorizações, negociar com prestadores para evitar descontinuidade. Essas obrigações foram negligenciadas.


A ANS, por sua vez, teve papel decisivo e igualmente criticável. Permitir que a Federação FERJ, sem nenhuma experiência para uma operação do porte da Unimed Rio, assumisse a carteira era prenúncio da catástrofe. A ANS apenas postergou o problema; pedalou. E os diretores sabiam disso, porque os técnicos da Agência avisaram. A decisão foi política e não técnica.


Assim, ao permitir — ou ao não condicionar com firmeza — a migração para a FERJ em vez de exigir medidas corretivas voltadas à Unimed Seguros ou à CNU (entidades que asseguravam o TAC firmado pela Unimed Rio), a regulação mostrou permissividade diante de risco sistêmico evidente.


A opção regulatória feita aqui não foi neutra; foi permissiva em relação a uma operação que se materializou em desassistência.


Mais que responsabilidade imediata, o episódio revela um padrão setorial com potencial sistêmico: o modelo Unimed — composto por cooperativas locais, federações e estruturas centrais — tem pontos de fragilidade que favorecem a transferência de carteiras problemáticas como solução de curto prazo. Quando carteiras com muitos beneficiários em tratamento intensivo são deslocadas para federações com capacidade financeira ou operacional insuficiente, cria‑se um ciclo previsível: pressão sobre pagamentos, corte ou renegociação de contratos, descredenciamento de prestadores, aumento da judicialização e consequente piora do fluxo financeiro.


E detalhe importante: a FERJ foi a única operadora do Brasil que conseguiu reajuste extraordinário (revisão técnica) do preço das mensalidades, antes mesmo de aprovação da norma sobre o assunto - que ainda não aconteceu. Mesmo com esse "favor" da ANS, está provado que o desenho não funciona.


Então, esse feedback negativo tende a propagar a crise para outros elos da rede. Transferir o problema não resolve; multiplica. Assim, a prática observada na FERJ não é exceção técnica: pode ser o protótipo de um efeito dominó, onde a insolvência e a desassistência se espalham pelo sistema conforme carteiras são repassadas sem salvaguardas.


A menos que se intervenha com regras claras e instrumentos práticos, o mercado continuará reciclando riscos: gestores aliviam passivos transferindo carteiras; receptores sobrecarregam-se e respondem com cortes; pacientes pagam com interrupção de tratamentos. Para evitar a repetição do padrão, são necessárias medidas concretas e não apenas recomendações: exigência, por parte da ANS, de planos de transição clínico‑financeiros previamente aprovados; garantia de manutenção das autorizações críticas por prazo mínimo (ex.: 90–180 dias); seguros ou fundos setoriais para cobrir autorizações em curso; garantias sistêmicas para quem usa a mesma marca; e sanções rápidas para quem descumprir compromissos de continuidade. Sem essas ferramentas, o setor seguirá uma lógica perversa onde a solução contábil de um ente se transforma na crise assistencial do próximo.


Quando será que veremos um gestor de Unimed preso por essas consequências? Responder patrimonialmente não conta mais, porque todos já esvaziaram seus CPFs.


Bem, o caso relatado pela CBN mostra, com clareza brutal, qual é o preço da omissão e das manobras econômicas quando o bem em questão é a vida. Tratamentos oncológicos interrompidos não são estatística; são pacientes perdendo janelas de cura. A falha foi de gestão estratégica e de regulação preventiva. Se gestores e reguladores não assumirem responsabilidades e não instituírem salvaguardas efetivas, o futuro reserva mais episódios como este: um efeito dominó que começa com uma migração de carteira e pode terminar em crise sistêmica da assistência.


Para quem está no meio disso agora, a prioridade é imediata e humana: garantir continuidade do tratamento, documentar as interrupções e exigir da operadora e da ANS medidas de reparação e de restauração do cuidado.


Procurem seus advogados imediatamente! Isso é caso de Polícia e de Justiça!

 
 
 

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