top of page

Saúde: regras em jogo

  • 10 de nov.
  • 3 min de leitura
ree

Velhas fórmulas, nova embalagem - por que a crítica à regulação dos planos de saúde precisa ir além do tom alarmista


A discussão sobre a regulação dos planos de saúde no Brasil voltou a ganhar espaço com o artigo “Velhas fórmulas, nova embalagem: a falta de avanço na regulação dos planos de saúde”, publicado na Carta Capital.


O texto aponta, com justa preocupação, para a repetição de práticas que deixaram o setor marcado por assimetrias de informação, cobertura insuficiente e mecanismos regulatórios frágeis. Mas é preciso separar diagnóstico de narrativa e, sobretudo, acrescentar nuances que costumam ficar de fora de análises mais contundentes. Aqui vão os pontos centrais e uma visão crítica que busca ampliar o debate.


O problema real: regulação insuficiente e riscos para o consumidor


O artigo acerta ao lembrar que boa parte dos problemas do setor advém de escolhas históricas: incentivos ao mercado privado sem uma regulação robusta, contratos complexos e falta de fiscalização eficiente. Isso criou um ambiente em que seguradoras e operadoras costumam explorar brechas contratuais, reduzir coberturas por meio de cláusulas e elevar preços com argumentações técnicas que não se traduzem facilmente para o consumidor. O resultado: planos caros, perícias contestáveis e consumidores muitas vezes punidos ao recorrer à Justiça para garantir direitos básicos.


A proposta regulatória recente - que o texto critica como tentativa tímida de mudança - tem aspectos preocupantes. Normas que favoreçam a flexibilização do rol de procedimentos, que estimulem práticas de seleção adversa ou que diluam mecanismos de fiscalização podem tornar a proteção ao usuário mais frágil. Num país com desigualdade de acesso à informação e baixa capacidade média de contestação administrativa por parte dos consumidores, essa regressão é grave.


O que a crítica esquece: contexto institucional e limitações práticas


Contudo, o diagnóstico não pode parar aí. O artigo tende a tratar a regulação como um instrumento quase mágico que, ajustado corretamente, resolveria todas as distorções do mercado. Isso omite limitações importantes:


- Capacidade institucional: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) opera com recursos humanos e orçamentários limitados. Melhorar normas sem reforçar fiscalização e mecanismos de execução pode significar apenas mais “papel” e menos efetividade.

- Complexidade técnica: definir um “rol” de procedimentos que seja ao mesmo tempo abrangente, sustentável economicamente e flexível o suficiente para acomodar avanços médicos não é trivial. Políticas públicas precisam conciliar economia da saúde, tecnologia médica e proteção ao consumidor.

- Efeitos econômicos: intervenções regulatórias têm custos e efeitos colaterais. Regulamentação excessivamente rígida pode reduzir oferta, encarecer planos ou empurrar para o sistema público pacientes com cuidados de alta complexidade.


Relação com o SUS e responsabilidade compartilhada


Um ponto importante pouco explorado pelo artigo é a articulação entre o setor suplementar e o Sistema Único de Saúde. A crítica que pinta os planos como vilões e o SUS como panaceia perde de vista que ambos coexistem e que soluções sustentáveis passam por política integrada: regulação que proteja consumidores sem desestruturar o mercado; incentivos à qualidade e ao controle de custos; e investimento público que garanta acesso em serviços essenciais.


Alternativas que merecem mais destaque


Em vez de polarizar entre “mercado bom” ou “mercado malvado”, convém discutir medidas pragmáticas que aumentem a proteção do usuário e a eficiência do setor, especialmente passando pela regulação expressa de mecanismos como a coparticipação, que tanto divide a responsabilidade financeira, como fomenta o uso racional dos serviços de saúde. Tão importante quanto esse ponto, valeria enfrentar a eterna discussão sobre a competência da ANS para intervir, de fato e de direito, na relação com prestadores, autorizando-se a remuneração relacionada a indicadores e resultados de desfechos clínicos.


Conclusão - crítica à crítica


A crítica apresentada no artigo cumpre papel importante ao expor riscos reais e históricos do setor. Entretanto, peca ao adotar um tom que mistura denúncia com expectativas pouco realistas sobre o poder regulatório de curto prazo. Criticar a timidez das propostas é legítimo; reduzir o debate a uma narrativa de retrocesso sem reconhecer limitações institucionais, trade-offs econômicos e possíveis caminhos pragmáticos empobrece a discussão pública.


Se queremos avanços de fato - proteção ao consumidor, sustentabilidade financeira e qualidade assistencial - precisamos de críticas que apontem problemas e, simultaneamente, proponham soluções factíveis, com prioridade em fortalecimento institucional e articulação com políticas de saúde públicas.


A crítica que apenas soa o alarme, sem oferecer rota de voo, corre o risco de virar espetáculo: eficiente para chamar atenção, inútil para orientar mudança.

 
 
 

Comentários


bottom of page