Nos últimos 5 anos, venho acompanhando mais de perto os movimentos dos analistas de mercado (bolsa de valores, principalmente), a respeito das empresas de saúde de capital aberto. Quanto mais estudo o que dizem, menos entendo. Essa é a verdade.
Começando pela administradora Qualicorp, eu tentei compreender o que era capaz de adicionar valor nas suas ações. Em 2022, percebi queda do preço da empresa mesmo ela tendo anunciado lucros de quase 50 milhões.
Já em 2023, as ações disparam positivamente, porque ela trocou o CEO e os analistas acreditavam na experiência do novo gestor.
Depois disso a empresa passou a acumular prejuízos e teve um tombo gigantesco. Entre 2021 e hoje, o preço da ação da Qualicorp derreteu de R$ 31,00 para R$ 1,50.
E o que me chama atenção é que os números da atividade que ela exerce não tombaram nesse nível. Claro que os escândalos em que a empresa esteve envolvida, troca de gestão, mudança de controle, de governança e tudo mais não me passam despercebidos. Mas será que realmente o potencial de negócio dela vale apenas 1/30 do que valia em 2021, se as vendas de planos de saúde continuam a todo o vapor? Bem, na visão dos analistas financeiros sim.
Vamos a outro exemplo. O da UHG Brasil, que era a controladora da Amil. Ela passou 10 anos (2012 a 2022) em prejuízos operacionais. Mas o valor de mercado dela seguiu com variação crescente, tendo saído de R$ 25,00 para R$ 37,00, entre janeiro de 2021 e até se desfazer da Amil, em dezembro de 2023. Quer dizer, mesmo a operação no negativo, conseguiu se valorizar. O que explica isso?
Ainda mais, após a UHG se desfazer da operação de planos no Brasil, conseguiu atingir hoje R$ 45,00 por ação. Já isso eu entendo: não há como um ativo se valorizar atuando no mercado regulado da saúde aqui.
Isso me leva ao terceiro exemplo, que para mim é ainda mais difícil de entender. A Hapvida.
Ao incorporar a Intermédica, a HAPV3 prometia grande economia dos negócios que passavam a ser combinados. O número especulado em 2022 era de uma sinergia que geraria R$ 1,38 bilhões. Os analistas acharam pouco. Disseram que o anúncio veio 14% inferior ao esperado.
Já no início de 2023, as ações da companhia desmoronaram 33% porque o resultado de 2022 teria sido decepcionante. A empresa anunciou lucro de R$ 161 milhões, mas como a sua sinistralidade aumentou (um movimento pós pandemia que atingiu o setor inteiro), os investidores tiveram uma crise de mal humor. A operadora perdeu mais de R$ 10 Bi em um dia.
O detalhe que mais me chamou atenção nesse movimento da Hapvida foi que, nesse período de queda, a sinistralidade da empresa estava em 76,9% (quanto menor melhor), contra uma média de quase 90% do setor. Quer dizer, era umas das melhores performances entre todos os planos.
Ainda assim, o que ouvi de especialistas foi que a expectativa do mercado era muito maior, face às promessas da época da incorporação da Intermédica. A sinistralidade deveria estar abaixo de 70%.
Nos últimos dias, a nova onda de análises questiona os volumes de depósitos judiciais das operadoras. Os analistas agora estão assustados com isso, o que está novamente interferindo no valor de mercado dos planos de saúde.
Em que pese o volume ser alto, decorrente de uma judicialização que está aparente e anunciada há muito tempo, isso não deveria ser algo bom, do tipo “as empresas têm lastro suficiente para honrar suas dívidas”?
Mas se formos realmente olhar para o impacto que o Judiciário acarreta no dia a dia dos planos, aí sim eu entendo perfeitamente as casas de investimento. É assustador. Mas isso existe desde sempre, então por que a surpresa agora?
Enfim, só tem uma coisa que tenho certeza hoje, é que minha análise sobre as empresas de saúde está radicalmente descolada da realidade em que os analistas do mercado financeiro se fundam. Mas completamente mesmo!
Por sinal, a experiência que estou tentando adquirir nesse assunto deve me fazer concluir que uma empresa que entrega saúde aos consumidores não deveria estar listada na bolsa, não deveria estar correndo atrás dos resultados que o mercado impõe. Isso não faz bem para a qualidade da atividade que é desenvolvida. A maximização do resultado, perseguida para agradar opiniões especulativas, pode pressionar bastante a qualidade. Investidor não quer ver um bom serviço, ele quer dinheiro. Isso tem feito os melhores gestores de saúde buscarem resultados inatingíveis.
Então, parece que a natureza da atividade médico-hospitalar, que implica em riscos de se ter que abrir mão do lucro de um período para salvar vidas, é incompatível com o sistema de valores do mercado financeiro. Ou estou maluco?
Minha esperança é que alguém perceba que o valor de uma empresa de saúde está muito além do que seu balanço indica, mas verdadeiramente na credibilidade do que ela entrega aos pacientes e na sua capacidade de investir em saúde e curar.
Artigo de Elano Figueiredo, ex-diretor da ANS, especialista em sistemas de saúde, fundador do Portal JS.
Excelente artigo Dr Elano . Como médico, mesmo com pouquíssima experiência na gestação de saúde, apenas fui diretor da COFTALCE e tenho clinica privada há 25 anos . É assim que penso e sempre defendi, qualidade de medicina à baixo custo para favorecer balanço financeiro, não combinam . Abç