Dia do consumidor e planos de saúde: comemorar o quê?
- elano53
- 16 de mar.
- 4 min de leitura

O descredenciamento dos médicos mais experientes, as dificuldades de acessar os serviços, as fraudes e o alto custo das mensalidades têm tornado a vida do consumidor de planos de saúde muito difícil.
Sinceridades, por Elano Figueiredo.
Ontem foi o dia nacional do Consumidor. Não vejo o que comemorar, no setor de planos de saúde.
Enquanto muitos discutem sobre o plano de consultas e exames cogitado pela ANS, por outro lado, despenca a qualidade do serviço entregue ao beneficiário. A percepção de valor na mente do consumidor é cada vez pior. Paga-se caro, para acessar serviços ruins.
O link entre esses dois assuntos é o seguinte: ao invés de inventar um produto mais barato, que possivelmente ainda será pior do que está hoje na prateleira, não seria mais indicado promover a qualidade do que já existe? Se o serviço de agora fosse realmente bom, será que estaria sendo percebido como algo caro/inacessível?
Sei que a discussão posta na ANS não é sobre bom e ruim, caro ou barato. Buscam acessibilidade. Mas justifica concentrar esforços em cortar ao meio algo que já está ruim, e vender pela metade do preço?
Vou parar de perguntar e explicar porque está ruim e porque o plano acessível não será melhor.
Para começar, ninguém consegue mais realizar consultas, via plano de saúde, com médicos de melhor bagagem (prefiro não usar bom ou ruim aqui). Eles já se descredenciaram desses serviços, face a remuneração insuficiente. Aliás, entre eles, esse é o target: "você já conseguiu deixar de atender o plano tal? Está produzindo apenas particular?". Essa é a pergunta para saber o status na profissão.
Então, não será diferente nos planos acessíveis, com preços mais módicos e que vão demandar uma negociação ainda mais apertada junto aos prestadores.
Em outras palavras, hoje o plano paga R$ 40,00 a um médico por determinada consulta, num produto oferecido ao consumidor por R$ 500,00. É de se esperar que no plano acessível, de mensalidade estimada em R$ 100,00, a consulta ainda seja negociada por valores menores ou com maior escala.
Certamente, o médico que já não atende mais os planos de saúde, de forma alguma vai querer atender o novo plano acessível. A expectativa é de subprecificação dos serviços, em sacrifício óbvio da qualidade, cada vez mais.
E, olhando para os demais tratamentos, a vida do consumidor não melhora. Desde o nascimento, os pais do beneficiário precisam escolher entre se submeter ao obstetra plantonista da vez ou pagar particular a disponibilidade do médico que acompanhou o pré-natal. Tem que pagar né!
Além disso, paga particular consulta com anestesiologista (novidade para remunerar aquela entrevista que se fazia na entrada do centro cirúrgico), fora alguns outros penduricalhos.
Quer fisioterapia pelo plano? Reembolso? Boa sorte.
Já o medicamento, será sempre genérico.
Obter autorização para procedimentos eletivos é um suplício. E se precisar reclamar na ANS, no Procon ou no Judiciário, além de se submeter a pagar honorários de advogado, vai precisar de paciência, porque eles estão abarrotados.
Terapias infantis, só se for nos centros montados por cada bandeira de saúde.
Claro que boa dose desses problemas decorre de um histórico de fraudes, que exigiu da operadora se reinventar, verticalizar atendimento, empacotar preços. A culpa não é exclusivamente dos planos de saúde, e sim do sistema. Mas e o consumidor com isso?
Alguns profissionais fraudam o setor, os Conselhos são absurdamente omissos, a polícia não dá conta, aí os planos montam um cinturão de retaguarda e, no centro dessa queda de braços, o paciente que se lasque. Sim, porque não é possível que alguém ache razoável a quantidade de exigências e obstáculos para o consumidor acessar os serviços de saúde atualmente. Em certas situações, está até mais difícil que no SUS, antes tão criticado. Então, o usuário está se lascando de verdade.
Se você achar meu texto pessimista, para baixo, nem tente realizar uma pesquisa no Google, com o termo “planos de saúde”, na aba “notícias”. O resultado só diz sobre negativas de atendimento, desvios de dinheiro, fraudes em reembolsos, processos judiciais de crianças autistas, operadoras quebrando etc.
Nesse ponto, Seripiere Junior tinha uma frase curiosa: “sou de um tempo em que as pessoas pagavam o plano de saúde e se orgulhavam, ostentavam a carteirinha. Hoje elas pagam e não conseguem perceber valor naquilo que estão contratando”.
Indago-me se tudo isso seria consequência do desenho judicioso atual; se é produto de um modelo de serviços regulado pelo Poder Judiciário. Quer dizer, desde que a judicialização atingiu patamar estratosférico, os planos abaixaram a régua e só entregam a assistência quando o juiz manda? Será que isso foi normalizado?
Ou a situação é fruto de acomodações de um mercado em que a vida está sendo utilizada para arrancar dinheiro do sistema?
Lembro que qualidade assistencial e desenvolvimento do setor são competências incumbidas à ANS. Vamos aguardar as respostas.
Disclaimer final: geralmente não trago problema sem solução, mas devo chamar o conteúdo de hoje de um ataque de sinceridade, crime tipificado por muitos como "sincericídio".
Feliz dia do consumidor (contém ironia).
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