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As estatísticas judiciais do home care

Comportamento das ações nos tribunais do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e de São Paulo.


Diante das fraudes recentemente anunciadas no programa Fantástico, iniciamos levantamento do acervo de processos filtrados pelo assunto “home care”, junto aos sistemas dos tribunais de justiça estaduais. Nesse momento, trazemos TJRN, TJRJ e TJSP.


Devemos fazer a ressalva de que os tribunais usam sistemas diferentes, podendo-se citar PJe, E-saj, Projudi, entre outros. Eles permitem tipos de filtros diversos. Tentamos aproveitar o melhor de cada um.


O objetivo é apresentar problemas e conclusões propositivas de melhoria do sistema de saúde, de forma a que os pacientes, aqueles que realmente precisem, possam acessar os serviços, guiados por avaliação mais cuidadosa sobre os requisitos e custos, bem como apoiados no devido acompanhamento da evolução clínica. Mostra-se essencial pensar no uso compulsório de ferramentas visando impedir excessos e oportunismos, em tudo para evitar o desperdício de recursos no setor.


Nesse caminho, é razoável esperar sejam identificadas: (i) dificuldades na triagem das solicitações administrativas, exatamente em razão das tantas fraudes, (ii) exageros de certos profissionais do direito nos pedidos judiciais, (iii) desconhecimento técnico dos magistrados, (iv) resistência judicial dos planos, (v) aflição de juízes diante da necessidade de saúde dos pacientes e (vi) adoção de medidas que, muitas vezes, tornam o Judiciário uma ferramenta perfeita para a fraude. Eis o desafio a ser enfrentado.


Estatísticas Home Care TJRN


Tendo como fonte o sistema de processos eletrônicos do TJRN (PJe), podemos identificar dados interessantes sobre os processos envolvendo home care (definidos aqui como amostragem, em vista de que, muitas vezes, o home care não consta da classificação/tipo do processo em sistema - o número pode ser maior, nunca menor).


- Pela data de autuação do processo, tivemos 20 ações de home care em 2021, 66 em 2022, 151 em 2023 e 339 em 2024. Mesmo tratando apenas como amostragem, verifica-se que o crescimento é significante. Triplicou, triplicou de novo e mais que dobrou entre 2023 e 2024. No intervalo de 4 anos, o número de ações aumentou em quase 17 vezes.

- Do universo de ações de 2024, 217 foram contra o Estado, 63 contra a Hapvida, 36 contra a Unimed, 4 contra Amil e o restante residual.

- Ainda sobre 2024, 257 destas ações possuem valor da causa superior a R$ 100 mil, sendo que 193 ultrapassam os R$ 500 mil e 1, contra a Unimed, tem valor de R$ 2.928.000,00.

- Os bloqueios realizados pelo Judiciário estão baseados em orçamento particular apresentado pelo paciente, mostrando valores muito além da média do que é efetivamente contratado pelos convênios.

- Para se ter ideia, no processo 0804374-20.2024.8.20.5121, a Procuradoria do Estado adverte que paga geralmente entre R$ 20 e R$ 30 mil, para tratamento similar ao da ação. Todavia, os bloqueios mensais têm sido de R$ 51 mil.

- Outra questão interessante é: se o Estado e os planos têm fornecedores credenciados, por que o Juiz determina realizar o tratamento com outros? No Público, isso não configuraria desvio à lei de licitações? De fato, é um estímulo ainda maior às fraudes.

- Muitos dos orçamentos apresentados nos processos de 2024 estão na faixa acima de R$ 100 mil, para o custo de 3 meses de home care. São valores significativos que deveriam exigir mais cautela de quem analisa e defere as liminares.

- A empresa Rio Grande Home Care se repete como fornecedor de orçamentos em diversas ações. Ela tem como sócio um fisioterapeuta. Seria ético?

- Outras empresas que figuram são NOAH, AMPAR e AFIM. AMPAR também tem sócio fisioterapeuta. Em algumas pesquisas, AFIM possui nome NOAH também.

- Em significativo número de processos não consta mais de um orçamento e, ainda assim, o juiz acolhe o valor indicado pelo autor, sem o cuidado de solicitar pelo menos três orçamentos.

- Em raros casos há encaminhamento para análise do Natjus.

- Não é comum exigir prestação de contas dos valores, ainda que o paciente receba quantia via alvará. Mesmo quando o Juiz determina a prestação de contas, são apresentados comprovantes e relatórios genéricos.

- Não é comum exigir laudo periódico de avaliação, para se aferir a evolução do paciente e se ele ainda precisa do home care; em descumprimento de determinação do FONAJUS.

- Em vários casos, os pacientes confundem a necessidade de cuidadores (responsabilidade da família), exigindo profissionais da enfermagem. É comum a liminar seguir na mesma linha e autorizar fornecimento de enfermeiro quando não era para ser; o que encarece bastante o orçamento.


Estatísticas Home Care TJRJ


A fonte agora é o sistema de processos eletrônicos PJe do TJRJ e não devemos esquecer que se trata de uma amostragem, pois deve haver muitos outros casos classificados por assunto contíguo.


- Pela data de autuação do processo, tivemos 133 ações novas em 2022, 942 em 2023 e 1058 em 2024. Mesmo tratando apenas como amostragem, verifica-se que o crescimento é significante. No intervalo de 3 anos, o número de ações aumentou quase 8 vezes.

- Do universo de ações de 2024, 529 foram contra o Estado e o restante contra operadoras.

- Ainda sobre 2024, 130 destas ações possuem valor da causa superior a R$ 100 mil, sendo que 23 ultrapassam os R$ 500 mil e 5 tem valor superior a R$ 1 milhão.

- As mesmas impressões sobre ausência de 3 orçamentos, não utilização do NatJus, deficiência na prestação de contas, inexigência de laudo de avaliação periódico e a exigência indevida de enfermeiros se aplica aqui.


Estatísticas Home Care TJSP


O E-saj não permite filtro capaz de indicar número de processos entrantes. Solicitamos relatório específico ao Órgão.


Diante da limitação, procuramos logo entender o comportamento dos julgamentos sobre home care, valendo destacar:


- Em 2024, foram julgados 3221 processos de home care em 1ª instância. Dentre eles, o sistema indica que a sentença foi IMPROCEDENTE em 686 casos, o que faz concluir que quase 80% das ações são julgadas procedentes.

- Já no tribunal, 2ª instância, mesmo período, foram julgadas 139 apelações e 632 agravos (recurso sobre a liminar deferida ou não).


Tão logo a assessoria do TJ forneça as informações vindicadas, voltaremos com mais dados e estudos.


De toda forma, em conclusão provisória, é perceptível o crescimento galopante de ações reivindicando o home care. O tema passa a ter significado estatístico importante e merece mais atenção das autoridades judiciárias, como o CNJ.


Inclusive, nossa sugestão é de que o título seja segregado como assunto próprio, para que as ações possam ser mais facilmente identificadas e gerar mais estudos a respeito. Hoje, os filtros do Conselho Nacional de Justiça não permitem colher os casos de home care em separado.


Que curioso! A fraude mais uma vez acelerando a necessidade de evolução do sistema judiciário brasileiro.

 

Elano Figueiredo - Especialista em sistemas de saúde e fundador do Portal JS.

 
 
 

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