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A (des)inteligência artificial dos advogados de planos de saúde

  • 8 de jun.
  • 3 min de leitura

Defesas genéricas, impugnação a pedidos que não constam do processo, recursos contra questões jamais decididas. O copia-cola dos escritórios corporativos se apresenta como um campo fértil para quem quiser dar um pouco de atenção ao caso do seu cliente e pretende vencer com facilidade

 

Artigo de opinião, por Elano Figueiredo.

 

Milito há 25 anos na advocacia da saúde e nunca vi um nível tão ruim das peças jurídicas. Chega a ser pior que as defesas das elétricas, das telefônicas e dos bancos, nos anos 2000. E vou explicar a seguir porquê.


Antes, um disclaimer: embora o corporativismo e o medo ético silenciem a maioria das críticas sobre o assunto, já deixo claro que meu papel não será apontar o dedo para os colegas; ao contrário, vou realçar algo em que a OAB certamente estará comigo e talvez devesse dar mais atenção, uma vez que o problema traz prejuízo aos clientes e denigre a reputação da figura dos advogados. Imagino que estou contribuindo para combater a má-advocacia. E preservarei nomes e números dos processos.


Então, vamos lá.


Hoje analisei uma ação de indenização por danos materiais. O consumidor pede apenas ser ressarcido do que gastou no tratamento da sua saúde. Quando iniciei a leitura da contestação, tive que parar algumas vezes para conferir se realmente ela havia sido protocolada no processo certo. Meu Deus!


Embora constasse dos autos uma troca de correspondências assinadas pela operadora, inclusive em papel timbrado da empresa, a defesa disse que jamais houve pedido administrativo do reembolso!!! (?)


Com base nisso, sustenta que os danos morais (jamais pedidos no processo) são improcedentes. Tá demais!


Eu compreendo que advogado e estagiário se atrapalhem, pois estão respondendo por 30 a 100 prazos por dia – já passei por isso no meu escritório, abandonei esse tipo de trabalho, mas ainda apoio algumas deficiências de equipe de outros colegas. Mesmo assim, não se pode ter um grau de descompromisso tão elevado, como se tem atualmente.


Em processo de terapia, vi agravo de instrumento reclamando reforma de uma liminar, porque o atendimento deveria acontecer na rede credenciada e não por livre escolha do paciente. Ao ler a respectiva decisão recorrida, constatei que o juiz determinou o tratamento na rede credenciada do plano. Portanto, a operadora pagou custas para o recurso contra algo que já estava atendido.


Num outro caso meu, de portabilidade, o escritório da defesa alegou que as informações sobre o produto não haviam sido prestadas pelo consumidor à operadora. Eles só não leram que a portabilidade era de um plano desta operadora para outro dela mesma – ou seja, todas as informações estavam no seu próprio sistema.


Olha, estou pensando em reunir todas essas pérolas e escrever uma paródia. Mas teria que combinar antes com a OAB, pois não sei se seria permitido.


No início da carreira, fui correspondente de escritórios de telefonia, concessão elétrica e bancos. As peças eram padronizadas e repetidas sim, mas os casos tinham igualmente um padrão.


Na telefonia, roubavam os dados de um cidadão e celebravam contratos fantasma. O que mudava era o nome da vítima, se ela teve restrição de crédito, ou não, e o valor do dano.


Nas elétricas, a discussão primária envolvia inadimplência e possibilidade de corte. O padrão de defesa era similar ao das telefônicas. Nos bancos, atraso de pagamento e busca e apreensão do bem garantidor. Mesma linha.


Quero dizer com isso que, nesses exemplos de massificados, era possível um formulário padrão de defesa, com certas variáveis. Mas aplicar isso na saúde, em que cada paciente, cada tratamento tem uma condição própria, é um completo desastre processual.


E de forma alguma estou culpando a OAB pelo nível a que chegamos. Estou cutucando sim, mas a responsabilidade, de verdade verdadeira, é dos clientes, das empresas de planos de saúde, que estão vendo isso e deixam acontecer. São vítimas e causadoras do problema. Curioso né?


Bem, estou aprendendo a usar a IA para customizar mais ainda as minhas petições e pareceres - ao contrário da maioria das salsicharias que estão atuando no mercado. Teimo em resistir, o quanto posso, a deitar o meu cliente numa esteira de fábrica. Espero que um dia isso tenha valor.


Mas, de outro lado, fica a dica para quem deseja vencer facilmente um processo contra plano de saúde: basta ler e escrever sobre o que está ali nos autos, porque a maioria dos seus adversários vai peticionar abobrinhas, teorias inaplicáveis, preliminares indecifráveis, que, muitas vezes, levam até à confissão do erro contra o consumidor.


E ainda me aparece gente querendo criticar o Elton Fernandes, que pretende ensinar a advogar na área. Estamos precisando desse aprendizado sim!

 
 
 

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