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emana passada tive a oportunidade de escrever um pouco sobre o que é a verticalização em saúde, seus pontos positivos e negativos1.
De lá a hoje, sobreveio o Projeto de Lei 3590, de autoria do Senador Rogério Carvalho, tendo como escopo estabelecer “mecanismos para coibir a interferência das Operadoras de Plano de Assistência à Saúde nos tratamentos oferecidos aos pacientes, nos casos de integração vertical em saúde suplementar”.
Na prática, a proposta não inova muita coisa. Ao contrário disto, arvora-se sobre obrigações já estabelecidas há bastante tempo pelo Conselho Federal de Medicina, a quem de fato compete fiscalizar a atividade dos médicos e instituições de saúde.
Vale observar que, na própria Justificação do Projeto, consta que o objetivo é dar status de lei ao que o CFM prevê para as Comissões de Ética Médica (Resolução CFM n. 2.152/2016), Revisão de Prontuário (Resolução CFM n. 1638/2002) e Revisão de Óbito (Resolução CFM n. 2.171/2017). Entende o autor que: “Fortalecemos tais comissões, conferindo-lhes poderes e independência, inclusive para acionar o Ministério Público.”
Mas, quem disse que estas comissões tão têm independência hoje? E por que elas não poderiam interagir com o Parquet?
Pela resolução normativa já existente2, as Comissões de Ética são obrigatórias em qualquer pessoa jurídica que exerça a medicina, e devem possuir autonomia em relação à atividade administrativa e diretiva da instituição onde atuam. São subordinadas e vinculadas aos respectivos Conselhos Regionais de Medicina, a quem reportarão suas atividades e eventuais irregularidades verificadas.
Da mesma forma em relação à Comissão de Revisão de Prontuários3. Ela deverá manter estreita relação com a Comissão de Ética Médica da unidade, com a qual deverão ser discutidos os resultados das avaliações realizadas. E não é diferente com a Comissão de Revisão de Óbito4.
Todas estas obrigações são aplicáveis a qualquer unidade hospitalar, pertencente ou não de uma rede assistencial verticalizada. O rigor deve ser sempre o mesmo: máximo!
Quero dizer com isso que, mesmo aprovado o projeto de lei referido, ele não será mais específico e nem mais especial que a normatização do CFM, a qual continuará sendo a guia obrigacional destas relações jurídicas.
Noutra quadra, não é crível imaginar a aplicação das obrigações previstas no PL em comento sem a necessária confluência com a Resolução CFM 2.077/14, a qual dispõe sobre a normatização do funcionamento dos serviços hospitalares. Ora, este diploma regula o fluxo de atendimento dos hospitais, a quantificação e a capacitação da equipe médica, os requisitos de qualificação e segurança assistencial, entre outras questões.
Portanto, seria um risco dissociar o conjunto de normas setoriais, emanadas da autoridade competente para fiscalizar o exercício das atividades médicas e hospitalares, para destacar ou fortalecer uma ou outra; ainda que em consequência de experiências relevantíssimas colhidas de uma pandemia.
Se a intenção é realinhar as obrigações de funcionamento de um modelo assistencial, defendo uma discussão mais abrangente, totalmente transversal no setor. Há de se analisar a competência dos Conselhos de Medicina, em harmonia com a da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. A criação de comissões deve estar alinhada com os deveres do Diretor Técnico da unidade assistencial, bem como com as normas gerais de funcionamento da entidade hospitalar.
Debatido transversalmente o assunto, se a revisão normativa não for necessária, as experiências podem apontar para a criação de obrigações correcionais, especialmente com a criação de um órgão técnico capaz de fiscalizar o fiscal, ou seja, exigir das autoridades a efetiva e eficaz aplicação das normas já existentes, que talvez já sejam suficientes para se atingir boa parte da justificação do PL 3590.
Por último, vale registrar que a intenção de coibir a obtenção de posição econômica dominante e a utilização indevida de medicamentos off-label são válidas. Tais previsões estão postas de forma subjetiva no projeto, permitindo que as autoridades do assunto investiguem os acontecimentos de acordo com o que realmente são.
Enfim, penso que há muito o que evoluir na iniciativa legislativa comentada, a qual reclama uma participação ativa do CFM, da ANS e da sociedade em geral.
Elano Figueiredo
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza e especialista em Direito Empresarial pela FGV, foi Head Jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011, Diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013, Assessor Especial da Amil entre 2014 e 2016 e, desde então, atua como advogado especialista em saúde, com foco especial na regulação ética dos Conselhos de Medicina. É professor de pós-graduação de gestão em saúde e debatedor na Rádio CBN.
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