Nos últimos dias, entre várias notícias, tivemos duas discussões interessantes no setor, sobre os dependentes nos planos de saúde e a junta médica. Faço questão de me posicionar e bem informar sobre ambos.
Dependência Legal
Primeiro, tivemos muita repercussão sobre as notificações que a Sulamérica enviou para alguns beneficiários de planos individuais, que são maiores de idade e ainda constam como dependentes do titular.
Nesse tema, vale esclarecer algumas peculiaridades: a) a ANS admite como dependente o parente até 3º grau, deixando para a operadora detalhar os requisitos dentro desse limite; b) o caso da Sulamérica, de planos individuais, deve se referir a contratos anteriores à lei dos planos de 1998 e c) a notificação emitida foi para que os envolvidos apresentassem prova de que dependem financeiramente do titular, ainda que maiores de idade.
Analisemos de acordo com esse contexto...
Culturalmente, a presunção é de que o filho, até 24 anos, sendo estudante, seria dependente dos pais. A maioria dos contratos de planos de saúde adotam essa premissa. Com o tempo e a massificação dos serviços, as operadoras não vinham cobrando a comprovação de que o dependente estaria matriculado em algum curso estudantil, e a simples presunção guiava a continuidade desses beneficiários após os 18 anos. Mas isso não quer dizer que a empresa não possa pedir, agora, essa comprovação.
Então, entendo que a Sulamérica tem base para o que fez. A medida adotada é justificável, mas não sei se é sustentável.
Ora, essa população, entre 18 e 30 anos, constitui uma base considerada saudável (em tese), que utiliza pouco e, portanto, gasta menos para o plano. Então, por que descontinuar exatamente a população que oxigena financeiramente a carteira? Há quem diga que é uma diretriz para trazer todos os consumidores para um contrato regulado, para o “mundo da Lei 9.656/98”. Não me convence, porque restariam apenas os usuários de alto-custo no plano antigo, com o risco do jovem até ir para a concorrente.
Por outro lado, se o interesse for corrigir uma omissão e excluir do plano beneficiários que, mesmo ainda dependentes do titular, gastam muito, isso não está correto, pois constituiria seleção de risco, vedada pela regulação.
Não duvido, ainda, que a operadora enfrentará uma séria discussão sobre o direito adquirido desses dependentes, pelo fato de não ter exercido o ato de exclusão em seu tempo correto (quando eles completaram 18 anos – ou 24, no caso de estudantes).
Cabe aqui uma sugestão para o consumidor titular: apresentar a declaração de imposto de renda, que comprove arcar com as respectivas despesas educativas. Aos tutelados, curatelados ou que tenham algum outro tipo de dependência legal, basta exibir o documento para esse fim. Agora, quem realmente não é mais dependente dos pais, tutores ou curadores, não vai mais poder “pegar essa carona”, pelo menos na Sulamérica.
Imparcialidade da Junta Médica
Mudando completamente de assunto, para falar do segundo tema, já comento que essa ferramenta, consolidada pela RN 424 da ANS, é importantíssima para a relação entre pacientes e planos de saúde. Mas tem que ser bem usada, sob pena de se transformar em mera chancela da negativa da operadora.
O objetivo da junta é solucionar uma divergência entre o médico solicitante e o auditor do plano, quando um pedir e o outro negar. Se o consumidor estiver bem orientado em relação a isso, exigindo um desempatador realmente imparcial, teremos uma melhor harmonia na entrega da assistência e um alento ao Poder Judiciário - que teria menos ações.
Pois bem. Manchetes dessa semana dão conta de que as empresas de saúde estão usando profissionais parciais para assinar o parecer desempatador. Algumas até emitem o laudo de 3ª opinião em papel timbrado da própria operadora. Deixam evidente que o processo não está correto. Uma pena!
Não existe desculpa para uma formação irregular da junta. Inclusive, há empresas de auditoria que têm oferecido esse serviço de maneira simples e até remota (nos casos em que a discussão clínica permite), reunindo opinião de profissionais renomados, que encerram a discussão sobre a autorização ou não do procedimento médico. Está à disposição de quem quer fazer o certo e funciona como uma espécie de NATJUS[1] extrajudicial.
Essas nuances atestam que informação é poder. O consumidor, sabendo disso agora, deve exigir a junta médica, quando seu procedimento for negado (é dever da operadora oferecer, mas nem sempre faz), com um 3º médico imparcial. É direito seu. Então, o beneficiário e o seu médico detêm um papel importante nesse desenho regulatório.
Se houver essa postura do lado dos consumidores, às operadoras não terão outra alternativa senão realizar o processo de maneira tecnicamente correta.
Lembrando sempre: é o plano de saúde quem paga os custos da junta. Por um lado, isso é bom, mas por outro é mais um alerta para o consumidor ficar de olho aberto em quem será eleito desempatador.
E não fecharei os olhos para o timing disso tudo. Na maioria das vezes, o tempo está contra o paciente. Mas a junta não deixa de ser uma tentativa para atalhar um processo judicial, que pode demorar bem mais. Afinal, as operadoras temem sim as pesadas multas da ANS.
Bem, esses foram os grandes temas da semana, que envolvem muita informação sobre a regulação em saúde. Espero ter conseguido descomplicar o quanto possível, por enquanto.
[1] Setor dos Tribunais, formado por especialistas, que visam apoiar os magistrados nas decisões técnicas de saúde.
O texto é de Elano Figueiredo, ex-diretor da ANS, jurista da saúde, especialista em sistema de saúde e health speaker.
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