Essa é o primeiro movimento de transferência de carteira desde que a Unimed-Rio, que tem 700 mil clientes, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta, em 2016 com a ANS, MP e Defensoria Pública
Com prejuízo de R$ 1,3 bilhão e patrimônio líquido negativo de quase R$ 2 bilhões no acumulado dos nove primeiros do ano passado, a Unimed-Rio está pleiteando à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a transferência de pelo menos 30 mil usuários de planos de saúde, moradores de cidades do interior do Rio de Janeiro, para a FERJ, federação que reúne as Unimeds fluminenses.
A medida é uma readequação ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela Unimed-Rio em 2016 com aval da ANS, Ministério Público e Defensoria Pública. Na época, a cooperativa já apresentava grave situação financeira devendo para boa parte dos hospitais, clínicas e laboratórios do Rio. A fim de evitar uma quebradeira no setor de saúde fluminense, a ANS autorizou de forma inédita que a operadora usasse suas reservas para sanar essas dívidas e foi dado um prazo até 2024 para a regularização financeira. Caso contrário, sua carteira — hoje com 700 mil usuários — poderia ser transferida à Unimed Nacional e Seguros Unimed.
Porém, segundo fontes, com a deterioração da Unimed-Rio, que não cumpriu vários pontos do TAC, como compartilhamento de informações ao sistema Unimed, há resistência por parte das duas cooperativas em assumir os 700 mil usuários.
A Unimed-Rio informou que sua expectativa é que a transferência de carteira à FERJ ocorra ao longo do ano e que está “revisando seu modelo de negócio com foco em uma gestão sustentável”. Além disso, afirmou que pretende apresentar à ANS um plano detalhado de como será essa transferência que envolve planos individuais, coletivos por adesão e empresariais. No entanto, para que essa medida seja efetivada, o sistema Unimed, que entrou como uma espécie de fiador no TAC, exigiu contrapartidas.
Entre elas estão a divulgação do balanço de 2022 em assembleia para os cooperados que, em caso de prejuízo, são obrigados a fazer aportes, e a redução da taxa de comercialização de seus planos de saúde dos atuais 6,5% para a média do mercado, de 2,6%. A Unimed-Rio repassa um percentual elevado aos corretores e o preço dos planos de saúde é menor quando comparado à concorrência — um modelo comercial que causa questionamentos e estranhamento no setor. No acumulado até setembro, a despesa de comercialização somou R$ 287 milhões.
Outras contrapartidas são readequação de preço e rede credenciada, além de ampliação do prazo para se constituir reservas para a carteira a ser transferida à FERJ. Isso porque a Unimed-Rio usou parte de suas provisões em 2016 e não vem depositando as reservas exigidas nesses últimos sete anos.
A ANS informou que recebeu ofício da Unimed-Rio “para fazer uma consulta sobre a possibilidade de transferência de parte sua carteira de clientes com algumas condicionantes” e respondeu à cooperativa não existir objeções a esse tipo de negociação, “mas a operadora deverá dar entrada num processo formal de pedido de transferência de carteira para que, então, seja avaliada toda a documentação exigida e a viabilidade da transação.”
Segundo fontes, a transferência de carteira à federação foi uma alternativa para atenuar o conflito entre a Unimed-Rio e as demais cooperativas médicas do Estado. Esses 30 mil usuários compraram o plano de saúde da Unimed-Rio (que tem um preço mais atrativo), mas usam os hospitais e médicos das cidades em que residem. As cooperativas locais pagam ao prestador de serviço e depois teriam que ser reembolsadas pela Unimed-Rio. Mas esse pagamento não está sendo realizado há algum tempo. Em outubro, a Unimed-Rio tinha passivo de R$ 92 milhões que foi dividido em 30 vezes e cujas parcelas não vêm sendo quitadas em dia. Em abril, havia uma dívida de cerca R$ 80 milhões.
"Quando a Unimed-Rio não paga, em efeito cascata, todas as outras singulares do Estado perdem a capacidade de pagamento, comprometendo a todas”, diz trecho de um comunicado da Unimed Petrópolis enviado aos cooperados. “É preciso, portanto, sabedores da gravidade do problema e quanto isso afeta não apenas a Unimed Petrópolis, mas sim todos os seus cooperados, nossa rede credenciada e fornecedores, mantê-los informados” sobre os valores devidos — cerca de R$ 6,7 milhões.
Ainda segundo fontes, os usuários transferidos à FERJ devem gradativamente migrar para as cooperativas médicas de suas respectivas cidades, mas há resistência para absorver esses usuários devido à alta sinistralidade, uma vez que muitos planos foram vendidos com preços abaixo do mercado.
Além do sistema Unimed, prestadores de serviço médico correm para negociar os passivos. Na semana passada, a Oncoclínicas comprou a fatia de 50% que detinha numa joint venture de clínicas para tratamento de câncer e um hospital da Unimed-Rio. A transação foi avaliada em R$ 350 milhões, mas desse valor R$ 150 milhões serão abatidos da dívida da operadora com o grupo. A Dasa fechou acordo comercial de prestação de serviços com Unimed-Rio que prevê o abatimento de R$ 50 milhões referentes a dívidas.
A operadora tinha ainda um passivo de R$ 252 milhões referentes a multas e ressarcimento SUS. Em abril, renegociou com a ANS, que reduziu o débito para R$ 211 milhões em 84 parcelas mensais, com entrada de R$ 134,5 milhões.
A Unimed-Rio enfrenta problemas de atendimento médico e financeiros. Desde o ano passado, a operadora é líder em número de reclamações, entre as grandes operadoras. O balanço referente ao nove primeiros meses mostra um ativo circulante de R$ 552,6 milhões para um passivo de R$ 2,9 bilhões, ou seja, o volume de compromissos de curto prazo que a empresa possui é muito superior aos créditos de maior liquidez.
Comentarios