Sentença judicial vale para sempre?
- 9 de fev.
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Atenção beneficiários de decisão judicial para tratamento continuado, como autistas, crônicos, idosos, pacientes renais, oncológicos, em home care, com atraso no desenvolvimento etc. O tema pode servir para vocês.
Hoje temos o desafio de analisar um ponto de vista bem jurídico, mas de maneira acessível, de forma a que todos consigam compreender a questão – ou seja, sem muito juridiquês. Vamos lá.
Quando se obtém uma decisão final num processo judicial, o direito brasileiro busca estabilizar e proteger esse benefício. É assim que a chamada “coisa julgada”, provimento final do qual não caiba mais nenhum recurso, goza da segurança jurídica.
A partir de então, o beneficiário de uma sentença judicial definitiva pode ficar tranquilo que seu direito não será mais alterado. Então, se ele ganhou um valor de dano moral, por exemplo, vai poder receber a quantia com a tranquilidade de que não terá que devolver.
Mas essa regra, como qualquer outra, têm exceção.
A exceção mais conhecida acontece quando o perdedor da ação usa a ação rescisória para rescindir a sentença. Rescindir aqui é sinônimo de desconstituir, tornar sem efeito, no todo ou em parte.
A lei traz situações exatas em que cabe essa ação rescisória e ela tem que ser ajuizada no prazo de 2 anos. O conceito é de que a medida vai atacar um erro ou uma omissão que tenha acontecido no curso do processo em que se obteve a sentença definitiva. Algo muito especial.
Noutro lado, temos um exemplo menos comum, que é o da revisão de sentença. Essa é a questão mais interessante ao setor de planos de saúde.
Com efeito, artigo expresso da lei prevê que a sentença, mesmo definitiva, pode ser alterada quando ela trata de uma relação de longo prazo, continuada. Se, ao longo do tempo, houver mudança dos fatos (fatos novos) que embasaram a decisão judicial, cabe a revisão.
O conceito é simples. Nas relações continuadas precisamos presumir que os fatores podem mudar no curso dela, porque as pessoas envelhecem, doentes se curam, doentes pioram, empresas podem falir, podem ser vendidas, a lei pode mudar, entre outras tantas variáveis.
Exemplo clássico que se tem disso é na previdência. O assistido consegue uma decisão judicial para ter direito a determinado benefício. Inesperadamente, sua condição de saúde ou de incapacidade se agrava. Isso é um fato novo, não previsto na época da sentença e agora precisa de um ajuste. O cidadão pode fazer esse ajuste na própria sentença que já existe, não carecendo ajuizar uma nova ação. Evita ter que passar novamente por todo o processo probatório já realizado. Vai precisar provar apenas a existência do fato novo e que ele impacta no provimento, ao ponto de reclamar uma revisão do mesmo.
Da mesma forma, imaginemos um idoso, que vence uma ação obrigando o seu plano de saúde a lhe fornecer home care. Da sentença, consta que o home care não inclui enfermeiro 24hs. Passados 5 anos, a situação dele se agrava ao ponto de necessitar desse cuidado não previsto. Cabe a revisão da sentença.
Não seria diferente com as crianças atípicas e os tratamentos multidisciplinares.
Como a relação com o plano de saúde, às vezes, é pela vida inteira, um trato duradouro, a segurança jurídica de um provimento judicial dá certo espaço para as excepcionalidades que o tempo pode impor.
Já temos decisões judiciais reconhecendo isso que estou dizendo.
Mas o assunto ainda é pouco debatido. Muitas vezes se mostra mais fácil o advogado ajuizar uma nova ação e obter outra liminar, do que ter que explicar ao juiz que o problema é uma continuidade do que já foi discutido em juízo.
Além do que, numa revisão de sentença, todos devemos estar atentos que a medida cabe para os dois lados: o consumidor e o plano.
Usando o mesmo exemplo do home care: acaso a operadora consiga demonstrar que a situação do beneficiário melhorou e ele não precisa mais dos cuidados domiciliares, seja em parte ou total, o magistrado poderá revisar o benefício judicial, diminuindo-o ou mesmo revogando-o.
Bem, espero ter trazido uma reflexão relevante, capaz de ajudar nos debates acalorados dos benefícios judiciais de longo prazo. A principal pergunta que deixo é: diante de uma novidade no curso do cumprimento de longo prazo da sentença, será que é melhor pedir a revisão dela ou ajuizar uma ação nova?
Elano Figueiredo é ex-diretor da ANS, especialista em sistemas de saúde e fundador do Portal JS.
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