A ANS aprovou o índice de 6,91% para reajuste dos planos de saúde individuais e familiares, que ainda somam 8 milhões de beneficiários. Vale para 2024.
Não vi ninguém satisfeito com o resultado. Definitivamente, a vida do regulador não é fácil. E só piora, quando o rastro de manchetes do assunto não ajuda.
Em 18 de abril último, a agência noticiou um lucro dos planos de saúde, no patamar de R$ 3 bilhões. Então, o consumidor deve estar se perguntando: com o valor das mensalidades altas, o IPCA baixo em 4,6% e as empresas lucrando, por que reajuste?
Já as operadoras ficaram frustradas com o número, sabendo que a inflação médica ultrapassa 15%, de acordo com o VCMH. O reajuste não será suficiente, então.
Assim, quem tem razão? Não sei, mas vale ilustrar as diferentes visões.
Primeiramente, ao consumidor, tenho a obrigação de dizer que você saiu ganhando nessa queda de braços. Um reajuste de 6,91% não é mesmo capaz de reequilibrar tal fatia da operação de saúde suplementar, que esteve negativa em 2023. O rombo foi de R$ (-) 5,9 bilhões (receitas de mensalidades – despesas médicas). Claro que nisso está o prejuízo dos contratos coletivos também, mas sabemos que os individuais contribuem bastante no sinistro.
Aqui, o mais ansioso deve estar se antecipando: já sei, foi a ANS que errou o cálculo. Mas não, não foi. A obrigação do regulador é receber os dados das operadoras, medir as despesas assistenciais e ponderá-las, a base de 80%, com o IPCA, seguindo sua RN 441. Isso foi feito.
Mas, se o cálculo está certo, então os números mentem? Obviamente que não. Temos acompanhado alguns problemas que podem ser a causa desse desacerto. Trazemos "o furo" com exclusividade.
Chamou atenção, nos balanços de algumas operadoras, o crescimento significante de valores classificados como Outras Despesas Operacionais (Grupo 44), em detrimento de uma diminuição importante dos classificados como Eventos/Sinistros Indenizáveis Líquidos (Grupo 41).
Será, então, que algumas contabilidades criativas transferem despesas assistenciais, que deveriam contar no efeito do reajuste, para “abaixo do tapete”? Prefiro acreditar que não, porque seria um grande tiro no pé.
Todavia, não posso descartar inteiramente essa possibilidade, haja vista a necessidade de muitas entidades demonstrarem resultado positivo nos seus balanços. Seja por questões políticas, ou para prestar contas aos seus acionistas, investidores, cooperados, e até mesmo para fugir de uma intervenção da ANS.
Como não sou um ávido conhecedor de números, e fui presenteado com essa crítica por um contador, prefiro deixar para os técnicos da DIOPE e da DIPRO averiguarem.
De toda sorte, tem alguma coisa estranha com o resultado desse cálculo. Como pode o VCMH apontar inflação médica de 15% e o reajuste oficial ficar tão distante? Não seria a primeira vez que os dados fornecidos por operadoras comprometem o resultado do reajuste. Lembro de já ter presenciado uma grande empresa deixando de excluir beneficiários de contratos rescindidos e impactar na análise.
Então não se engane, consumidor, entre males o menor. Após um ano de muitas fraudes na saúde, números que não se explicam e resultados negativos sistêmicos, suportar o reajuste idêntico ao aumento do salário-mínimo não é o pior remédio. Imagine se os dados estivessem completos para o cálculo da ANS?
Para finalizar com soluções, trago um pensamento sobre o futuro da saúde suplementar. Num contexto de mensalidades atingindo patamares altos e, ainda assim, sem cobrir o déficit operacional do setor, alternativas como a coparticipação devem ser muito mais exploradas. Franquia também. E, quem sabe, uma repaginada na Lei dos Planos, para permitir novos produtos mais customizados ao que quer e pode pagar o consumidor?
Tenho esperança em retomar a discussão da RN 433, sepultada pelo STF.
Para mais detalhes, deixe sua dúvida ou observação e use o chat do Justiça e Saúde.
Elano Figueiredo é ex-diretor da ANS e especialista em sistemas de saúde. Assina esse conteúdo como Fundador do Justiça e Saúde.
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