O Frankenstein da ANS. Invenção ou encomenda?
- 5 de mar.
- 3 min de leitura

Aqui, Frankenstein é uma alusão aos planos acessíveis, apenas com consultas e exames.
Por Elano Figueiredo.
Sempre defendi planos de saúde mais diversos. Sou favorável a tantas mais opções quantas o consumidor puder entender. Se algum cliente deseja um plano apenas de consultas, não vejo por que não oferecer. Se um outro quer apenas cobertura de UTI, também não vejo por que não.
Assim, tão logo anunciado que a ANS abriria consulta pública para um plano apenas de consultas eletivas e exames, eu logo aplaudi. Mas o fiz enganado. E só percebi hoje.
Ao me deparar com artigo apontando ilegalidades no modelo, dizendo que as operadoras não poderiam oferecer um produto descolado do plano-referência, resolvi estudar o assunto pelo lado jurídico. E eis uma surpresa pela qual não esperava: ao invés de um desenho que estimule a contratação individual, a nova plataforma de teste está ancorada num Plano Coletivo por Adesão.
É isso mesmo. Depois de o diretor da ANS afirmar que o novo modelo está sendo criado para resolver a escassez de planos individuais, percebo que a Nota Técnica da ANS, na verdade, rascunha um produto coletivo, adequando algumas regras dele para permitir adesão direta de consumidores.
Com efeito, saltaram-me algumas perguntas: por que não o contrário? Por que a base desse sandbox não é de um plano individual? Ou por que o teste não poderia ser dividido em individuais e coletivos?
Fiquei atônito ao perceber o quanto o modelo está desvirtuado daquilo que está anunciado.
Ainda que seja para facilitar o operacional, o desenho acarreta um sacrifício significativo ao consumidor, pelas restrições de direito envolvidas. Podemos citar:
- Como coletivo, as regras básicas são direcionadas para pessoas jurídicas, com a hipossuficiência não presumida.
- O tipo de contratação, apesar de coletiva, abre as portas para a carência.
- O reajuste anual vai acontecer por índice de livre escolha da operadora e parece que será agrupado (enquanto o individual acumula algo próximo a 7% ao ano, os coletivos chegam ao dobro disso, na faixa dos 14%).
- Não tem portabilidade. Se o teste não der certo, em 2 anos todos os contratos serão simplesmente cancelados. E como fica o consumidor? Vai para onde?
- Não haverá reembolso (nem nos casos em que não for possível usar a rede?).
- Os operadores desses planos não serão apenados em caso de infração.
Ora, pois pois. Isso não condiz com o que defendo.
Para consultas e exames simples, não precisa de carência alguma. Tá no custo. Portabilidade tem que ser uma solução para o consumidor, olhando também a hipótese de encerramento do sandbox sem êxito do modelo. Se não essa, alguma outra.
É imperioso ter reembolso sim, até porque são menos frequentes as fraudes mirando esses serviços menores. O estelionatário visa procedimentos mais caros.
O reajuste pode até ser agrupado, se for um agrupamento especial, monitorado pela ANS. Ou seja, nem com a liberdade do coletivo e nem com o engessamento do individual, mas controlado sim.
O plano acessível que eu sonho deveria ser justo. Se o contratante for um indivíduo, deveria seguir as regras gerais do plano individual, presumindo-se a hipossuficiência. Se o contratante é uma empresa, seguiria as regras do plano coletivo.
Da forma que está, parece que o “plano acessível” foi idealizado mais como solução a um empresário, dono de plano de saúde, que aos consumidores. Aliás, todos no setor sabem quem mais fazia força para isso.
O produto parece um Frankenstein. O plano é PJ, mas pessoa física pode aderir diretamente. É coletivo, mas só pode rescindir por inadimplência ou fraude. Tem características de individual, mas o reajuste é livre.
Para muito além de testar serviços restritos, parece que querem testar também um modelo misto de regras de planos para pessoas físicas e jurídicas, desvirtuando o que está firmemente sedimentado em lei.
Assim não pode!
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