
Por Eliezer Queiroz de Souto Jar
Diante da alta judicialização da saúde suplementar, importante ter ciência do posicionamento do Poder Judiciário acerca da adoção das mais efetivas práticas científicas na resolução dos conflitos, bem como, qual a postura referente à análise do equilíbrio econômico dos contratos assistenciais, em face da adoção de novas técnicas no âmbito privado.
Em breves notas, será apresentada a prática relativa ao pensamento jurídico da magistratura, na qual fica clara a preocupação do judiciário nacional com a demonstração nos processos, das evidências científicas benéficas de um novo tratamento de saúde, o qual a população pode ter acesso, mas que pode haver um prejuízo financeiro considerável para as empresas que irão pagar pelo produto.
Exemplo disto é possível de encontrar no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.088, na qual ficou definido recentemente, no âmbito do STF, que a avaliação econômica realizada no procedimento de atualização do rol de procedimentos da ANS, se faz necessária, a fim de se evitar o alto impacto financeiro que pode surgir diante da incorporação de novas tecnologias no setor privado (link).
Numa linha de raciocínio semelhante, o STF definiu em 2023, que as operadoras e seguradoras de saúde não estavam obrigadas a custear prescrições dos nutricionistas, já que tal condição poderia causar um dano econômico face sua inadequação, vez que, de acordo com a lei dos planos de saúde, a imposição de custeio assistencial só se aplica perante a solicitação proveniente de médicos e odontólogos, fato este expressamente mencionado na legislação. Estes detalhes podem ser visualizados na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7376 (Supremo Tribunal Federal STF - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 7376 RN | Jurisprudência).
Não se trata de ficção jurídica, portanto, a inquietação acerca do estudo da avaliação econômica, em virtude da introdução de novos eventos em saúde no âmbito privado. Na verdade, a necessidade humana em manter a sustentabilidade do setor é evidente. Então, em certas situações, não vale a pena inserir eventual tecnologia de altíssimo custo, pois poderá auxiliar a quebra de planos de saúde de médio e pequeno porte, bem como afugentar potenciais investidores, como aconteceu no caso da United Health, que vendeu a operadora de saúde AMIL.
Quanto à aplicação das melhores práticas científicas que dão embasamento seguro e eficaz nas inserções das novas tecnologias no mercado, é adequado abordar um pensamento sobre a decisão do STJ, ao uniformizar o pensamento jurídico no sentido de que as operadoras e seguradoras de saúde não são obrigadas a custear medicamentos que não estão registrados na ANVISA. O procedimento uniformizador utilizado seguiu o rito dos recursos especiais repetitivos e o tema cuja tese foi fixada é o número 990.
Há uma possibilidade em excepcionar esta regra criada no âmbito jurisdicional. Isso pode ocorrer em situação na qual o objeto da ação judicial seja o tratamento de uma doença ultrarrara (por exemplo, por se tratar de uma outra razão de decidir, que seja distinta daquela que criou a regra judicial), mas há uma condição especial para que o Poder Judiciário determine que um plano de saúde pague pelo remédio de alto custo não registrado na ANVISA: a alta eficácia do medicamento merece comprovação nos autos.
O STJ já excepcionou o seu posicionamento, sendo provada a evidência científica (Plano deve pagar remédio de doença ultrarrara sem registro na Anvisa).
É possível dar continuidade na demonstração de outras posturas semelhantes, todavia,
praticadas no STF, como se pode observar, na sequência:
foi determinado pelo tribunal superior que, para o Poder Público arcar com o pagamento de remédio sem registro na ANVISA, se faz necessária a comprovação da segurança e eficácia do fármaco (o procedimento é nominado de repercussão geral e o tema é o de nº 500);
em atual decisão na qual buscou uniformizar o entendimento de que o Poder Público deve fornecer a droga solicitada, o STF estabeleceu que tal excepcionalidade resta caracterizada, ainda que o fármaco não esteja registrado na ANVISA ou no SUS, caso o autor da ação judicial prove, dentre outros requisitos (que não possui recursos financeiros, que não há outra terapia para o tratamento da doença), que a tecnologia é eficaz, por conta dos estudos científicos que evidenciem o seu uso benéfico.
Para reforçar tais argumentos trazidos até aqui, válido o reforço acerca dos dizeres, na ação direta de inconstitucionalidade nº 7.088 já citada, no sentido de que se exige da ANS, órgão regulador, as melhores evidências científicas que estejam disponíveis na estrutura da saúde suplementar, que ponham em destaque a eficácia, acurácia, a efetividade, do produto, da tecnologia a ser utilizada.
O CNJ inseriu em sua plataforma digital, a coletânea de notas técnicas num sistema denominado e-Natjus, o qual possibilita a consulta de procedimentos cujos estudos são acompanhados de literatura médica que lhe dão embasamento, evidenciando a alta eficiência ou não, na utilização de tratamentos de saúde que são almejados.
Os profissionais de saúde que atuam na elaboração das notas técnicas são atuantes de instituições conveniadas da rede NATS (Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde).
Estes fazem parte do REBRATS (Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde), gerida pelo Ministério da Saúde.
Não é prudente, por fim, encerrar este breve estudo sem afirmar que se trata de uma irresponsabilidade profissional prescrever medicação off label, sem o devido estudo técnico, acerca dos efeitos positivos conclusivos, em virtude da preservação da saúde do paciente. Importante lembrar. Esta última observação foi inserida pelo simples fato de que os magistrados, muitas vezes, ignoram o argumento da legislação e do regulamento, afirmando que o laudo médico é soberano. Esta análise judicial rasa nos leva à judicialização da saúde suplementar, fato este que prejudica vários setores, dentre eles, o consumerista, que se resume nas vidas dos cidadãos brasileiros usuários de planos de saúde.
E se, além do estudo acerca da evidência dos bons resultados em face da técnica científica que é exigida, não se fizer uma avaliação do equilíbrio econômico diante da incorporação do novo produto no setor, não haverá sustentabilidade para a saúde suplementar.
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