
Alguns acontecimentos têm despertado curiosidade sobre a obrigação dos médicos cooperados de arcar com as dívidas das suas cooperativas. Primeiro, a crise da Unimed Rio, que foi destaque nacional. Depois, a da Ferj, como gatilho de um efeito dominó. Seguiu-se a situação decadente da Unimed Recife. E, semana passada, a notícia de demissão em massa na Unimed Natal.
Vale registrar, inclusive, que a Unimed Natal não se posicionou oficialmente sobre os fatos alardeados, fazendo crer que realmente houve uma debandada de médicos. A confirmação cabal disso vem com a publicação de um edital, convocando interessados para se cooperar.
Fazia algum tempo que não me deparava com edital dessa importância, com 197 vagas para cooperados. Até onde eu sei, as Unimeds eram tão concorridas que não havia espaço para mais médicos.
Enfim, alguns leitores entenderam que se cooperar poderia ser uma armadilha e me pediram para esclarecer as obrigações que passariam a ter, no caso de adesão ao edital.
Vamos lá. Como o tema pode variar de acordo com o estatuto de cada Unimed, vou utilizar Natal como exemplo.
Sem muito juridiquês, explico que a Lei das Cooperativas basicamente divide a responsabilidade financeira social do cooperado assim: de um lado, as dívidas com a própria cooperativa (resultados apurados em balanço) e de outro, as obrigações perante terceiros (pelas dívidas exigidas da entidade).
Por sua vez, o Estatuto da Unimed Natal diz que o associado vai pagar as dívidas que tem com a própria cooperativa de forma proporcional às operações que realizou (produção médica no ano); enquanto a responsabilidade perante terceiros deverá ser limitada à cota social subscrita.
Vou decifrar melhor isso.
Os prejuízos correntes e anuais da cooperativa, indicadas na sua contabilidade, aqueles que são levados à Assembleia Geral de prestação de contas que acontece todo ano, vão ensejar responsabilidade do médico de acordo com o que ele produziu e lucrou na respectiva Unimed. Ou seja, quem recebe mais, vai pagar mais.
Nesse ponto, devo lembrar que os credenciados não entram no rateio. Portanto, todos devem ficar atentos para o fato de que os hospitais, por exemplo, apesar de operarem grandes recursos, não vão participar do pro-rata.
E, no caso da Unimed Natal, denunciam que a proporcionalidade não foi respeitada, no atual pro-rata anunciado.
Por outro lado, já no que diz respeito aos prejuízos sociais, em caso de dissolução ou responsabilização judicial da entidade, a situação é diferente; o médico vai pagar a conta até o limite do valor atualizado das cotas que subscreveu.
Mas, além dessas duas hipóteses, considero algumas exceções que geram mais responsabilidade no sistema Unimed.
Para se ter ideia, em 2008, a ANS autorizou (Instrução Normativa 20) que essas cooperativas transferissem aos cooperados a responsabilidade pela dívida fiscal junto à Receita Federal, visando que eles garantissem o pagamento desse montante.
No caso da Unimed Natal, por exemplo, essa dívida consta da conta 4.10 – Tributos e Encargos Sociais a recolher, cuja obrigação em 2022 foi na ordem de R$ 4 milhões, enquanto em 2023 de meio milhão.

Um outro detalhe que vale muito a pena chamar a atenção é que a responsabilidade dos cooperados não se encerra com o pedido de demissão. De acordo com a lei, ele continua responsável até a aprovação das contas do exercício social em que solicitou a sua exclusão.
Então, como se pode ver, o conceito de responsabilidade não é tão simples. O cooperado realmente deve avaliar todos os riscos na hora da entrada. Deve conversar com um advogado especialista de fato e de direito, pois ele precisará analisar a fundo a situação específica da Unimed em mira.
Com efeito, a Unimed Natal contempla cláusula mais curiosa ainda em seu estatuto. Ela responsabiliza também os seus médicos por processos administrativos e judiciais, nos casos de prescrição de tratamentos experimentais, não aprovados na ANVISA ou se não forem autorizados pela própria operadora.
Então, nesse artigo 10 do estatuto cabe uma interpretação bem extensa das obrigações dos cooperados.
Finalmente, registro que a responsabilidade perante terceiros só será exigida após a cooperativa ter sido acionada e no caso dela não ter conseguido honrar. Mas preciso alertar que as dívidas do médico associado, mesmo após falecer, passam aos herdeiros, de acordo com a lei.
Portanto, caros médicos, eis aqui um breve rascunho das obrigações financeiras sociais do cooperado. São detalhes que muitas cooperativas fazem questão de omitir na hora da admissão.
Alerto ainda: advogados que defendem as cooperativas escrevem a mesma coisa que constou aqui, mas com uma conotação radicalmente diferente. Eles querem fazer crer que, na prática, a responsabilidade não vai atingir o cooperado.
Numa visão mais atual, ouso discordar. Em tempos de nítido efeito dominó no sistema, percebendo as cadeias de responsabilidade começarem a ruir, os dedos começam a apontar para os cooperados.
Elano Figueiredo, ex-Diretor da ANS, especialista em sistema de saúde, fundador do Portal JS.
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